Como era de se esperar, Rose fica encantada pelo chafariz. Senta na borda
de pedra do mesmo e descansa ali, olhando as esculturas de mármore verde que
contornam o jato d’água: uma ninfa coberta de plantas aquáticas, enlaçada por
um fauno, segurando uma serpente do mar, que também parece um dragão. Olhando
bem, é sim um dragão, ou será que…
– Gosta do chafariz? – Andy lhe pergunta, em pé ao
seu lado.
– Oh! Ah, sim. – responde depois do leve susto, pois não o havia visto
chegando.
– Foi o que mais me chamou a atenção nos jardins na primeira vez que os
vi.
– Não nasceu aqui?
– Ah, não. Não nasci nem em Elderwood. Sou do Reino de Mourões.
– É mesmo? Ouvi dizer que é repleto de aldeias por lá, todas muito
pobres.
Isso prova que ela realmente estuda, pois é muito difícil alguém saber
algo sobre seu reino.
– É verdade. Eu era um aldeão. Por dentro ainda sou, sabe? Quem sabe por
isso tão… rebelde. – sorri.
– Como era
aldeão? Não entendo. – ela fecha um pouco os olhos de uma maneira adorável
quando não entende alguma coisa, como se a luz a ofuscasse.
– Quando tinha doze anos me trouxeram para cá porque pertenço à família
Real. Sou sétimo filho do sétimo filho de Lucius. Cresci sem saber disso. É uma
história bem complicada.
– Doze? E com quantos anos está, Alteza?
– Dezessete. E você?
– Quinze.
– Ainda? – assusta-se – E já querem te casar?
– Minha mãe se casou com treze. – dá de ombros.
– Que absurdo! Devia ser proibido!
– Também acho: por que não faz uma lei contra isso?
– Acho que farei mesmo. Se passar pelo Conselho… – se distrai, pensativo.
Rose observa-o, inclinando a cabeça:
– É tão estranho falar com você, tão diferente.
– Por quê? – senta-se ao seu lado, finalmente.
– Tem apenas dezessete, mas fala como se tivesse trinta, quarenta… é tão
maduro.
– E isso é bom?
– Não sei. É que eu não fico muito à vontade. – ela baixa os olhos num
sorriso tímido – Preferi te ver rindo aquela hora.
Andy fica sem jeito, sorri. Torce um de seus longos cachos com o dedo,
baixando também seus olhos. Molha os lábios e fala:
– Não sou assim sempre, sabe? Embora não tenha amigos da minha idade hoje
em dia, eu costumo ser mais leve. – franze as sobrancelhas e continua, com mais
gravidade na voz – É que ando muito ocupado e meu avô anda me irritando com
essa história de casamento.
– Meu pai também. – suspira.
– Sabe, ele nunca deu a mínima para o que eu fazia, ou como eu estava.
Estava tocando minha vida sozinho, até o reino! Será que ele não nota há quanto
tempo ele não trabalha? Que as coisas estão vindo todas para minhas mãos? De
uma hora para outra ele diz “Andy, você vai casar”. Determina isso. Absurdo!
Tenho tanto para fazer antes disso, tanto o que planejar. Construir uma família
é uma responsabilidade imensa, eu quero estar pronto para esse dia. Mas de
repente ele se torna rude, tenta me obrigar.
Ela ouve atenta seu desabafo, até olha em seus olhos com interesse e fala
logo depois:
– Entendo o que quer dizer: eu, por exemplo, só queria me dedicar ao
estudo agora, fazer até uma faculdade.
– Faculdade? Ambiciosa. – sorri admirado – Pouquíssimas mulheres
conseguem.
– É porque casam! – arregala seus olhos já tão grandes – Não é que não
tenham capacidade, entende? É que os maridos não querem que elas estudem, que
sejam independentes! Quem vai terminar de pagar estudos pelos quais não se
interessa? Todas as moças de família têm que se casar para agradarem seus pais
e até para não serem deserdadas. As que não são de família simplesmente não têm
de onde tirar recursos para fazer a faculdade! Se você fizesse uma Universidade
pública…
– Eu faço! Claro! Sempre quis fazer! – empolga-se – O que pretende
cursar?
– Direito. Quero ser juíza. – sorri.
– Bárbaro. Eu quero que você
seja juíza! Ou melhor, seja a responsável pelo judiciário no reino, o que acha?
– Seria ótimo, maravilhoso! – seu sorriso se amplia, mas logo sua
expressão se torna desconfiada e contida – Você não está falando por falar,
está?
Ele não sabe bem por que, de onde veio isso e se tinha mesmo tanta
convicção das coisas quanto fez parecer, mas olha bem dentro de seus olhos e
diz como diria um rei:
– Rose, um dia verá que eu não falo
nada por falar.
A resposta não poderia ser melhor: Rose deixa surgir em seu rosto um
lindo e confiante sorriso.
Andy olha-a fascinado: uma garota tão linda, tão jovem, tão doce…
vibrando personalidade! É tudo que podia pedir à Deusa! Quando sorri
agradecida, esse sorriso é tão amável que Andy sente algo novo ao vê-la assim.
Tem vontade de aproximar-se, mas não o faz: ainda é cedo. Seu avô queria provar
ter razão pela idade, cismou que sabe o melhor para o neto e Andy não queria
jamais dar a razão ao avô! Mas olhe para ela: delicada como uma boneca, de pele
tão macia e olhos tão brilhantes.
Rose também se perdia nos olhos do príncipe, verdes e negros, dourados e
castanhos, tudo ao mesmo tempo. O brilho
do sol na mata fechada. Pergunta:
– De quem herdou seus olhos verdes, Alteza?
– Minha mãe tem olhos verdes – explica – mas são muito claros, não
lembram o tom dos meus. A maior parte da minha família tem os olhos castanhos
como os seus.
– Comuns. – sorri.
– Não, nem tão comuns. São tantos tons de castanho, sempre lembram coisas
boas, não lembram? Terra, madeira, café…
– Chocolate… – sorri a menina.
– Mel, caramelo… – abre o sorriso – Ter olhos castanhos tem suas
qualidades, por exemplo: por acharem tão “comuns”, passam a prestar atenção nas
outras belezas do rosto, na pele, nos lábios… – Rose fica sem jeito, mas Andy
continua – No meu caso, aposto que só olhou meus olhos e é só deles que vai
lembrar ao voltar para casa.
– Não é verdade. – conserta-o – Vou me lembrar de sua sagacidade, sua
simpatia, sua altura… e seus pés descalços!
Andy sorri. Rose sorri também. De repente um frio na espinha, uma
sensação de medo, de insegurança e quase de dor invade a menina. Rose puxa
fundo o ar. Levanta-se séria do chafariz avisando:
– Preciso ir.
– Mas agora que estávamos nos conhecendo? – levanta-se também.
– Teremos outras oportunidades. Infelizmente, muitas outras.
– Entendo.
– Preciso estudar, enquanto ainda estudo.
– Rose. – Andy toca em seu ombro fazendo-a voltar-se para ele e ouvi-lo –
Mesmo se chegarmos a nos casar, se meus e seus apelos não funcionarem, você vai
continuar estudando: isso é uma promessa.
– Verdade? – sorri.
– Verdade: pode escrever isso. Uma futura juíza não pode esperar.
– Obrigada! – Rose dá-lhe um forte e rápido abraço de agradecimento,
sendo que com sua altura, alcançasse somente o tórax do rapaz.
Ela sai rápido do jardim, deixando para trás seu futuro noivo encantado.
Ele sente o abraço da garota ainda apertar-lhe no peito e um perfume novo no
ar.
Por que dez minutos de conversa
num jardim mudariam tanto seu conceito sobre o casamento que viria? Antes do
almoço podia jogar-se da janela da torre para não casar, chegou a apanhar uma
noite inteira do carrasco para que isso não acontecesse, e olha só o que ela
fez com ele: deixou-o de pé ao lado do chafariz, querendo que ela mudasse de
ideia, olhasse para ele e voltasse correndo.
Acorda-se se sentindo ridículo. Volta a sentar na borda do chafariz.
Lembra-se de quando chegou ao palácio e descansou ali pela primeira vez:
cinco anos se passaram, agora é um homem e acaba de conhecer a primeira mulher
da sua vida. Não era uma irmã, uma mãe ou uma avó: era uma mulher. Uma menina ainda, mas já era fértil, pronta para dar-lhe
filhos, dar-lhe… prazer. Como nunca havia prestado atenção numa coisa dessas
antes?
Sua mulher é aquela, não há nem por que procurar outra. Convence-se disso
e no meio de seus pensamentos, chega a um último problema: como convencê-la
também?
***
Quando Rose chega à mansão, vê que Lorence está por lá, sozinho no
escritório do térreo. Sabia que ela não estaria em casa essa tarde, muito menos
seu patrão, então por que veio? No fundo ela bem que sabe.
Rose foge das perguntas efusivas da irmã e das empregadas, reclama que só
quer tomar um banho e desmontar o figurino primeiro – e é lógico que a intenção
é arranjar desculpar sucessivas para fugir ao máximo do assunto. Detesta esses
interrogatórios. Mas não vai escapar: vê Lorence olhá-la de longe.
Sorri, faz-se de difícil, deixa no ar um pequeno suspense. Ele, já tomado
por ciúme, vai até ela quando, propositalmente, escapa para o jardim mais
reservado da imensa mansão e pergunta, como se nem realmente quisesse saber:
– Como foi?
Dá de ombros, como se eventos como esse acontecessem todos os dias:
– Foi bom. A comida estava boa, o palácio é de encher os olhos.
– E o príncipe?
– O príncipe?
– É, o príncipe! Como ele é? – pergunta impaciente.
– Bem… ele também enche os olhos.
– Sério? – pergunta, desanimado.
– Sério. – ela olha em seus olhos sorrindo, passa a mão em seu rosto –
Mas não tenha medo, meu amor. Eu te amo e sempre vou te amar. Vou fazer de tudo
para que não se cumpra o casamento.
– Por que, Rose? Nunca nos deixarão casar mesmo.
– Eu posso fugir com você, o que acha?
– O que eu acho? – espanta-se – Acho loucura, inconsequência!
– Pensei que você me amasse, Lorence. – decepciona-se Rose.
– E eu pensei que fosse mais esperta! Nunca vai ter outra oportunidade
como essa!
– Lorence!
– Ouça, minha querida, – puxa-a à parte – não desperdicemos essa chance.
Se se casar com o almofadinha a vida de nós dois vai melhorar! Você será a
mulher mais invejada do reino, a mais rica, a mais… tudo, Rose! E você me leva
junto para o reino: posso trabalhar com o rei! Ganharei uma fortuna, poderei
até comprar um título de nobreza, imagine?
– E nós? – suspira tristemente a donzela.
– Nós? – sorri Lorence – Essa é a parte mais simples! Continuaremos a nos
encontrar às escondidas como fazemos hoje em dia. Lucius III morre, o que logo
acontecerá e você será rainha. Então seu rei morre um dia desses e você casa
comigo, que já serei nobre.
– Vai matar Andy?! – assusta-se.
– Não. Eu, não. – esclarece, chocado por ela ter pensado isso – O tempo
vai matá-lo. Como qualquer monarca, sempre há quem queira matar.
A menina baixa os olhos:
– O que você quer dizer com isso tudo é que não vai fugir comigo. – suspira.
– O que eu quis dizer com isso tudo é que você é muito jovem para ter
noção da oportunidade que ambos estaríamos perdendo se eu fugisse com você.
Rose olha triste para o chão, pensa um pouco, depois sorri e olha com
malícia para Lorence. Fala-lhe com voz de menina:
– Então seremos amantes?
– Os mais safados da História… – sorri Lorence.
Os dois se beijam: o casamento dela, afinal, seria só mais uma etapa no
relacionamento dos dois.
***
Dado um tempo depois da partida dos convidados o castelo volta à
organização tradicional e Poler pode finalmente ir indagar o protegido sobre
tudo. Para sua surpresa, em plena luz do dia, Andy estava em seu quarto, lugar
que quase não transita a não ser para dormir. Ele está na sacada, olhando o
entardecer chegando pouco a pouco. Ian tenta não o pegar de surpresa nem incomodar
seus pensamentos. Coloca-se ao lado do príncipe e olha com ele o
gigantesco horizonte. Espera algum consentimento, algum sinal de que podem
falar sobre aquilo que Poler tem certeza que Andy já sabe o que é.
O sinal vem claro: Andy suspira. O suspiro é um pouco mais longo e
derretido do que o de cansaço. Ian sorri:
– Já vejo que podem negociar o casório.
Sem nem olhá-lo, calma e prazerosamente, Andy completa-o:
– … e começar os projetos da nossa primeira Universidade pública.
– “E”? Mas o que tem uma coisa a ver com a outra?
– Estava pensando nas duas.
– Quem?
– Em Rose e na Universidade.
Poler sorri satisfeito. Ri do rapaz:
– Nem quando decides noivar te esqueces do trabalho?
– Não. – seus olhos não desviam em nenhum momento do horizonte – Não é
trabalho, Ian. É porque Rose me pediu.
Poler está espantado com o comportamento de Andy, ao mesmo tempo, feliz.
Passa a mão em sua cabeça e sai devagar e sorridente da sacada. Andy chama-o,
virando-se para ele:
– Ian!
– O que foi?
– Me faça um favor. – pede preocupado – Não conte para meu avô que estou
feliz, está bem?
Poler olha-o sorrindo, pensando: “Como pode ser tão teimoso e orgulhoso esse garoto?”. Faz-lhe
um sinal de afirmação. Andy sorri e volta a se distrair com o horizonte, e Ian
o deixa a sós com o pôr-do-sol.
Um comentário:
Má confesso que fiquei muiiiito surpresa com a situação . Você com certeza sabe surpreender teus ávidos leitores.
Andy não merecia este fiasco de casamento , e ainda sofre sem a sua família ! Fiquei muito emocionada imaginando esta cena do casamento, estou ansiosa pela parte dois. Andy e Rose tirar o sono do reino e os meus também.
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