Uma carruagem de quatro cavalos brancos chega à frente do portão do
Palácio. O rei Lucius III e a Rainha Emanuelle os aguardam, enquanto os três
Conselheiros vão buscar a dama.
Poler se surpreende ao presenciar a abertura da porta da carruagem, se
deparando com uma jovem flor, de dourado, com fios brilhando como ouro no meio
dos cabelos castanhos. A última vez que viu Rose Harmand ela ainda era uma
menininha banguela, de seus sete ou oito anos. Adianta-se ao demais e estende a
mão à moça. Ela toca-o suavemente e desce.
Com a leve mão na sua, ele a conduz até a porta do Palácio. A filha do
Conde olha tudo em volta, maravilhada, chega até a sorrir. Lembra-se de Poler:
– Sempre trazia convites de festas do castelo para papai, não era?
– É verdade, mas agora subi de posto e assim dificilmente saio do
Palácio.
– Faz mesmo tempos que não vai à minha casa. Nosso cachorro, Vítor,
morreu.
– É mesmo?
– Sim. Comeu algo de errado o pobrezinho. Mas agora temos uma gata,
Bianca. Ela adoraria uma visita sua. Ainda se lembra de como Vítor adorava
você?
– Sim, e de como sujava minhas roupas…
A jovem sorri. Cornetas Reais os esperavam junto à porta de entrada do
Palácio. É tão bonito para um dia tão triste para Rose. Seu pai vai até ela e
pega em sua mão, que o Conselheiro larga docemente.
Harmand quer chegar ao lado da filha. Os três Conselheiros tomam sua
frente e entram dando o sinal para a orquestra começar a tocar. Parece um mundo
de sonhos para a candidata a princesa. Ela está impressionada: que lugar
enorme! Todas as paredes são pintadas com afrescos florais e românticos e
aqueles violinos, ah, são como um poema.
Um tempo é dado para os dois observarem como é incrível o lugar. Os
empregados estão reunidos e bem vestidos – como empregados. Eles saúdam seus
futuros senhores com uma certa satisfação no olhar, pois adoram o glamour dos grandes casamentos Reais.
Andy tenta observar por uma fresta na porta o que está acontecendo lá
embaixo. Está agitado. Ainda não enxergou a moça, mas já monta uma imagem
mental bem negativa dela: interesseira, deslumbrada, bonita até, mas enfeitada
como um pavão. No geral, não é que a imagem sai um pouco parecida com
Marguerite Harmand?
Sai dizendo para as empregadas que o aguardavam que precisa ir ao
banheiro por um instante, o que é estranho, pois tem um enorme dentro do seu
quarto. Assim que ele entra naquele que é o último do corredor, tranca-se lá, e
empurra a porta camuflada nos finos azulejos. Desce rapidamente as escadas da
passagem secreta.
Ada é surpreendida pela conhecida canção do violino soando dentro de seus
umbrais e logo a voz de seu garoto surge docemente:
– Minha mãe?
– Estou aqui, meu anjo, me conte o que aflige seus pensamentos. –
responde a velha mulher, em cujo lar há, no total, três entradas secretas.
Andy vai até ela, que estava atrás da única coluna do lugar, sentada. Ao
vê-lo, a senhora abre os olhos e sorri:
– Filho! Eu nunca o vi tão bonito! Para
que este traje, este perfume?
– Ela está aí. – responde, nada sorridente – Aí no salão. Devo vê-la em
alguns minutos.
– E o que faz aqui então?
– Eu tenho… medo. Algo nisso tudo me dá medo, Ada. Sinto como se fosse
conhecer o dragão que queimará meu reino, ou o vampiro que sugará meu sangue.
– Chegue mais perto, meu amor. – pede a velha esticando-lhe os fracos
braços.
Andy agacha-se e olha em seus olhos cansados. Ada passa as mãos em seu
rosto. Tenta confortá-lo com carinho:
– Em nenhum momento concordarei ou aceitarei o que seu avô está fazendo
contigo, mas se assim quis o destino não há nada que eu possa fazer para
combatê-lo. A única coisa que posso fazer agora é orar por você e pedir que
seja forte. Não faça nada de errado, não magoe a moça: um homem honrado não
foge da luta, lembre-se disso. Agora vá, que a sua luta nem sequer começou.
Andy sorri agradecendo a boa vontade de Ada: pelo menos alguém concorda
com ele. Ele segura as duas mãos da mulher e as beija. Acaricia o que sobrou de
seu cabelo e levanta:
– Você não existe, Ada. Obrigado por ser tão amável para mim.
– Ora, meu amor. – sorri a anciã.
Andy se vai pela mesma saída, tocando a mesma canção que ela o cantava.
Ada fica emocionada, mas logo seu envelhecido rosto se contrai de tristeza.
Andy volta ao banheiro. Olha-se no grande espelho, um dos tantos dos
quais se olhava quando era menor: cresceu, afinal. Quanto tempo passou na
infância imaginando como seria quando casasse e como seria sua esposa. Ele quer
se casar, mas esse não é o momento. Suspira agoniado.
Rose está curiosíssima para saber como é seu futuro noivo, mesmo que não
assuma. Tem medo de uma surpresa ruim. Não para de olhar ao redor com um frio
na barriga que só cresce: “Pode ser fome,
Rose”, diz a si mesma, tentando conter a ansiedade.
Acha estranho pensar que há uma possibilidade tão grande de acabar
vivendo nesse palácio tão fantástico. O rei vai até ela sorrindo, os olhos até
compridos demais. Ela o reverencia, enquanto o mesmo comenta com seu pai:
– É mesmo belíssima sua filha, Excelência. Se meu neto tiver um mínimo de
bom senso não deixará escapar a oportunidade de casar-se com essa donzela.
– É o que mais espero, Majestade. – orgulha-se o Conde Harmand.
Lucius ordena ao redor:
– Alguém vá chamar o príncipe para que ele conheça sua futura noiva!
Enquanto o esperam, a orquestra toca mais baixo para o rei conversar com
os convidados, ainda na entrada da gigantesca sala de visitas do palácio. Poler
assiste de longe a conversa, enquanto aguarda a chegada de Andy, temendo que
ele faça algum escândalo em nome da liberdade de escolha.
Rose está muito aborrecida com a conversa de seu pai e o rei que mais
parecem dois pastores falando de suas cabras campeãs. É quando Lucius
interrompe o assunto e fala olhando para a escadaria principal:
– Aí está meu neto! O príncipe Andy!
Rose é tomada por susto, um frio na barriga que quase dói.
Todo o palácio olha para Andy, deixando-o um pouco incomodado, sem jeito,
sentindo até as faces aquecerem de timidez, mas logo puxa o ar e volta a descer
em direção aos convidados. Christopher Harmand o vê primeiro, pois está na
frente da filha, mas ela logo desvia ligeiramente dele e o observa: ele é
bonito. Ele é bem bonito.
Fica surpresa, como a maioria ao avistá-lo da primeira vez, com o tom
raro de seus olhos verdes, mas também tem a atenção voltada à sua postura, tão
respeitável, valorizando sua altura. Não chega aos dois metros ditos
anteriormente, seria… um metro e noventa, um pouco mais ou menos que isso.
Intriga-se, acha até graça dos seus pés descalços.
Andy não encontra a garota, estranha. Desce devagar os últimos degraus da
escadaria. O rei vai até ele, mas o príncipe nem sequer olha em seus olhos.
Poler então se aproxima do rapaz e Andy pergunta, formal:
– Quem é?
– Viscondessa? – chama Poler, gentilmente.
Ela sai timidamente de trás do pai indo até o oficial, entendendo que ele
irá apresentá-los. Ao olhar para a garota, tão bem arrumada, mas ainda assim
mantendo um ar natural, baixinha, de rosto perfeito e delicado, os cachos
castanhos passando o quadril, a pele tão suave… Andy é tomado por surpresa. Não
sabe exatamente o que sente, mas de repente seu ódio vira susto e seu susto, um
desconforto interno: ela é bonita!
Rose reverencia o oficial que sorri e a apresenta a Andy:
– Andy, esta é Rose Harmand. Uma nobre de rara beleza e uma alma valiosa.
– Então é você. – ele diz sério, tentando esconder a admiração.
– Sim, sou eu. – afirma, sem olhar em seus olhos, pois estava um pouco
assustada com o quão para cima teria que olhar para ver aquela imensidão verde.
– O que achou dela? – pergunta o rei, que os observava ao lado.
Andy pensa. Olha para Conde Harmand todo inchado como um pombo em plena
corte, só falta arrulhar. Olha para seu avô tão inchado quanto o outro e
esnoba:
– Ainda é cedo.
Rose fica espantada com a resposta: cedo para que? Para dizer o que achou
ou para achar alguma coisa?
Ninguém entende a resposta. Até se entreolham disfarçadamente. Para
desfazer o clima desagradável, Ian faz um sinal sutil para o maestro e assim a
orquestra toca mais uma música para que iniciem o almoço.
Harmand se adianta à frente junto ao rei e os futuros noivos ficam mais
afastados da pressão. Rose resolve olhar para o rosto do príncipe melhor. Logo
sua atenção volta-se aos seus longos cabelos castanhos, de cachos grandes, mas
um tanto esticados. Ela, mesmo também tentando manter sua pose de desinteresse,
não se contém de curiosidade e pergunta:
– Ainda é cedo para que, Alteza?
– Ainda é cedo para qualquer resposta a respeito do que está acontecendo.
– responde formal.
Ela, por sua vez, é bem natural quando questiona:
– E o que está acontecendo?
– Como? – não entende.
Nem Andy nem Rose se olham durante a conversa para que não haja
comentários sobre a mesma.
– O que está acontecendo aqui? Não estou entendendo. Recebi um convite
seu e de seu avô para este almoço e Vossa Alteza parece tão…
– …desgostoso?
– É. Desgostoso. Quase tanto quanto eu.
– Está mais desgostosa que eu? – pergunta, irônico.
Seu tom é cuidadoso:
– Sinto dizer que sim, Alteza.
Andy dá uma gargalhada que chama a atenção de todos, pois não tinham notado
o diálogo entre os dois. Rose dá um sorriso só por sugestão da cena.
Andy controla-se dando um longo suspiro e olha finalmente para ela:
– Perdão.
– O que deu em você? – pergunta em voz baixa.
– É que eu não acho realmente que haja alguém mais
insatisfeito nisso que eu.
– Ah, é? Quer apostar?
– Apostar? – Andy volta a rir, só que discretamente.
Rose também ri, mas tenta se controlar: assim iria acabar parecendo que
estava feliz.
Quando Lucius senta-se à mesa, Andy vai logo se acomodar ao lado da rainha.
Os pretendentes se separam e a estranha conversa fica em aberto. Rose vai
sentar ao lado do pai e Ian Poler ao lado de Andy.
Arrogante, Christopher pergunta um pouco reticente quando vê os Oficiais
tomando seus lugares à mesa:
– Então aqui os funcionários sentam-se junto à mesa do almoço?
Rose morre de vergonha da demonstração gratuita de desprezo para com
empregados que ele sempre teve em casa: nunca pensou que fosse fazer isso com
os empregados dos outros! Talvez fosse um costume forte demais para que
conseguisse conter.
Andy o olha nos olhos – algo que não se recomenda da parte dos monarcas –
mostrando toda a revolta que sua frase causou. Oh, o prenúncio do terremoto…
Poler morde os lábios, tenta evitar que se manifeste, mas é tarde demais:
–Vossa Excelência deveria sentir-se honrada por isso! Estes funcionários a quem se refere, são
Oficiais muito eficientes, além de Conselheiros Reais muito mais importantes
para o reino de Elderwood do que Vossa Excelência poderia sonhar em ser um dia.
– Agora chega, Andy. – interrompe-o Lucius nos segundos finais de seu
discurso.
– Só estava respondendo à pergunta da sua
visita, Majestade.
O Conde dá um sorriso sem graça, enquanto levanta a taça de água próxima
ao rosto:
– Claro, claro. Está certíssimo. Sinto-me honrado.
Rose chega tocar os dedos na testa para tentar esconder seu rosto. O
clima ficou um tanto desagradável, principalmente por parte dos Oficiais para
com Christopher Harmand, a quem receberam tão bem. O nobre está embaraçado,
Andy, ofendido, e o rei, por sua vez, tem medo do que mais Andy possa querer
falar durante o almoço. Lucius tenta puxar um assunto coletivo com grande
ânimo, enquanto Campbell dá o sinal para as copeiras trazerem a entrada:
– Conde Harmand, vejo que trouxera Rose para o almoço, mas o convite era
para sua família toda. – o rei gostara muito
de Marguerite – O que houve?
– Bem, Majestade, minhas filhas mais velhas estavam com as crianças
delas, seus maridos não quiseram intrometer-se a vir sem convite direto do rei…
– Ora, que não seja por isso! Da próxima vez mando um convite para cada
uma das famílias! Veja o tamanho dessa mesa!
– É verdade.
– E sua esposa?
– Ela se foi há alguns anos, Majestade. Foi câncer.
– Oh, sempre é. – cochicha Andy para Poler – Nenhum deles assume que
parentes morreram de congestão, engasgo, verminose…
– É compreensível – sorri o Conselheiro – ainda mais em um almoço.
– Sinto muito – fala o Lucius para Harmand.
– Eu também. – diz a rainha, em um dos raros momentos em que se dispõe a
falar.
Harmand agradece enquanto chegam os pratos, todos muito bem preparados,
em prataria da melhor qualidade. Os convidados nunca tinham visto algo de tão
bom gosto, nem pratos preparados com tanto cuidado. Claro que Rose dá muito
menor importância para isso que o pai. Na verdade tudo que a interessa agora é
o que passa na cabeça do príncipe e como essa história vai acabar. Torce para
que o pai fale mais um monte de asneiras para desistirem de vez de negociarem
seu casamento. Se bem que, se o acordo não for fechado, a culpa virá toda para
cima dela.
O almoço começa finalmente. O assunto corre extremamente chato para os
dois futuros noivos. Andy olha de tempos em tempos para Rose, assim como Rose
para Andy. Mesmo que os dois estivessem impressionados com a beleza do próximo,
não querem dar o braço a torcer. Ficam quietos, prestando atenção na conversa:
– Realmente, Majestade – fala Harmand – seu neto superou minhas
expectativas: é bonito, elegante e muito inteligente.
Andy arqueia apenas uma sobrancelha e pensa o que ele falaria se
conhecesse, por acaso, o lugar onde nasceu. O rei devolve a gentileza.
– Sua filha também tem as mesmas qualidades, pelo menos até agora nada
fez que provasse o contrário.
Suave como uma mula. Harmand não se importaria com absolutamente nenhuma
indelicadeza Real, desde que consiga fazê-la casar! Floreia a filha, empolgado:
– Mas é a pura verdade, Majestade! Consegue as melhores notas no colégio
que cursa! Sua poesia é largamente conhecida e sou muito elogiado pela educação
que lhe dei. Fala três línguas diferentes, sabe dançar, bordar, tocar piano e
cantar. Só tem me orgulhado até hoje.
Puxa, que incrível, pensa a garota: seu pai nunca a elogiou tanto.
Poderia apostar que não sentia orgulho nenhum dela até esse momento. Veja como
são os vendedores quando tentam empurrar seus produtos!
– O mesmo não posso dizer de meu neto, sabe? – comenta o rei – É com
certeza muito inteligente, toca alguns instrumentos, esgrima muito bem… mas
anda se saindo um rapaz muito
rebelde.
Andy finge que não falavam dele. Dezenas de respostas se insinuam, porém
Andy lembra do que pediu Ada: não machuque a moça. Ela não tem nada a ver com
seus conflitos familiares.
Então o Conde dá sua contribuição especial:
– É da idade! Basta domá-los e serão ótimos adultos!
Agora os dois jovens estão revoltados. Rose arrisca-se a dizer:
– Por que pensa isso, Senhor? Não era assim quando jovem?
– Era, mas meus pais me colocaram em meu lugar e sou o que sou graças a
eles.
– E é feliz, meu pai?
Todos, menos Andy e Ian, ficam chocados com a pergunta. Andy dá um
sorriso de apoio para a garota. Christopher responde para terminar a conversa:
– Que pergunta, menina: claro que sou! Esses jovens…
– Tenho que admitir – sorri Andy – sua filha é mesmo muito inteligente.
O nobre, assim como o rei, percebem que o elogio foi à rebeldia da
garota, um estímulo. Os dois pretendentes trocam olhares simpáticos.
Andy começa a perceber que Rose não era a nobre mimada e vazia que
esperava que fosse. Ela tinha muitas ideias por dentro, só não podia deixá-las
explodir pelo pai dela ser parecido demais com seu avô. Ela escreve poesias!
Isso já a deixa muito mais interessante a seus olhos.
Rose percebe que fora notada pelo pretendente depois de tentar
expressar-se. Acha esse fato interessante: ele a estimularia se casassem? Seria
ele sua liberdade e não sua prisão? Pensa nisso, até começa a ficar um pouco
mais tranquila com a ideia do casamento. Então lembra: e Lorence? Não, não pode
se casar!
O prato principal chega. Poler nota o ar de satisfação no olhar de Andy.
Comenta em voz moderada:
– E agora? Ainda é cedo ou já
podes assumir que gostaste dela?
– Não sei, Ian. Diria que a desgosto menos.
– Podes dizer o que quiseres: teu olhar não mente.
– Não sei de nada, Ian. – deixa uma pontinha de sorriso escapar.
Nenhum atrito até terminarem o almoço. Talvez os assuntos tenham seguido
mais agradáveis ou talvez os dois jovens simplesmente já não estivessem se
importando tanto.
Lucius e Christopher vão para a sala para tomarem o chá e negociarem os
últimos detalhes do noivado – afinal, isso é um negócio entre eles –, enquanto
Rose vai conhecer os jardins do palácio. Pergunta onde ficam e vai até lá
sozinha. Andy segue-a sem deixar rastro.
2 comentários:
Adorei me envolvi tanto nesta parte que até me peguei suspirando junto com Andy, aliás eu sempre me envolvo muito com os personagens. Este livro promete e vai cumprir . Vai bombar! Temos já muitos amigos aguardando também os novos capítulos e o Livro publicado. Avante sempre ! !
Adorei me envolvi tanto nesta parte que até me peguei suspirando junto com Andy, aliás eu sempre me envolvo muito com os personagens. Este livro promete e vai cumprir . Vai bombar! Temos já muitos amigos aguardando também os novos capítulos e o Livro publicado. Avante sempre ! !
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