Dois dias se passam.
Fugindo do comportamento usual, um mensageiro
entrega três cartas para Campbell depois do jantar e do recolhimento de todos.
O Conselheiro entra no palácio lendo o remetente. Ganha chá e senta-se em uma
poltrona, ainda compenetrado.
– Majestade! – chama, assim que o avista –
Responderam vossas cartas!!
– Que cartas, Campbell? – responde de lá de
cima o rei já de roupão e roupas de dormir – As para os novos proprietários?
– Não, as do Duque de Carmim, da Duquesa do
Lorjiss – ele ri e comenta, gesticulando – aquela do nariz quebrado, e do Conde
de Vilanova. Lembrais? Para casar o Andy.
– Mais cartas?! Minha nossa! – desce as
escadas – Estão respondendo todas, Uli!
– Esse vosso neto vai vos dar muito trabalho.
– O que você esperava? Olhos verdes em dois
metros de altura!
Uli não estava se envolvendo na questão, mas
já que parecia inevitável, abre bem os olhos azuis claríssimos e diz em bom
ânimo:
– Quereis um palpite, Majestade? Entre todas as jovens disponíveis, eu o
casaria com a filha mais nova do Conde Harmand. O nome dela é Rose. É uma
verdadeira princesa, Majestade, precisais ver que linda. Além de ser
inteligente e prendada. É a esposa perfeita para Andy. Podeis confiar: pedis
uma visita.
– Se é o que está dizendo, pegue uma pena e responda...
– “Andy rejeita sua filha”, ponto. – diz Andy, enfezado.
O rapaz tinha ouvido tudo, seu olhar condenava-os,
o cenho tão baixo que quase cobria os olhos. Ele se aproxima e continua:
– “Meu neto revolta-se profundamente quando o
tratam como gado reprodutor, vírgula, ou quando brincam de casinha com sua vida”, ponto final. “Por isso, vírgula,
vão para o inferno você e suas filhas” exclamação.
Uli se envergonha, mas o rei não:
– Ignore, Uli. Nesta sala tem um jovenzinho
que ainda não entendeu quem manda aqui.
Mas Andy não aceita ser ignorado, não tratando
desse assunto:
– Ah, é? Então não quer discutir isso numa
assembleia? Porque você, Majestade, tem uma porcentagem limitada de poder nesse
lugar.
– Muito mais que você, por sinal!
– Eu mando na minha própria vida! Nela eu
exijo poder total!
– Aí que você se engana! Meus avós cuidavam
das minhas decisões e hoje eu sou muito feliz! Com meu posto, com minha
esposa...
– Tem certeza? – seu tom é cínico – Tem
certeza de que o senhor é feliz? Ou foi omissão no momento de escolher? – e
desafia – É tão acomodado, meu avô, que nunca parou para pensar se ama minha
avó de verdade, ou se simplesmente não teria diferença se fosse qualquer outra
que tivessem te arranjado! Por que nunca está do lado dela, afinal?!
– O quê?!!
Uli assiste à discussão esperando uma deixa
para sair dali o quanto antes. Andy tem uma personalidade forte, não é moldável
como Lucius queria que fosse. O clima entre os dois nobres está pesado. O rei
dispara:
– Mais uma palavra e será levado para a
masmorra para aprender a obedecer a seu rei!!
– Quer saber? Quer trazer a condessinha
para cá, traga. Só não espere que eu me case com ela. – e vira as costas.
– Não ouse me virar as costas!! – esbraveja
possesso.
Andy volta provocando:
– Quer tanto casar alguém? Case o Uli!
– Eu? – diz encabulado o Conselheiro.
– É, você. Por que não casou até agora? Gostou
dessa tal Rose? Fique com ela. Eu tenho dezessete anos, Uli tem quarenta, não
é, Uli? Faça esse favor para mim. Sacie a verve casamenteira de meu
avô...
O Rei o interrompe:
– Chega, Andy! Eu nunca precisei fazer isso
com você, mas desta vez o aldeãozinho passou dos limites... Uli.
– Sim, Senhor? – o Conselheiro treme de medo.
– Chame o carrasco. – a frieza do rei
surpreende a todos.
Uli pasma, hesita, olha-o mais uma vez sem
parecer acreditar, mas o rei não muda sua postura: sim, foi essa a ordem.
Apavorado, termina saindo para chamá-lo.
Andy encara o avô:
– Não pode estar falando sério.
– Você nunca me ouviu falar mais sério.
– Você só pode estar louco… – balança a
cabeça, incrédulo.
– Não mais que você, por me desafiar. – sorri,
prepotente – Amanhã terá mudado de ideia, tenho certeza. – e agora é ele quem
lhe vira as costas.
Andy sente os punhos tremerem, dá um passo à
frente e deixa o ódio falar:
– Acha que conseguirá convencer alguém com
tortura? Convencer quem? Você mesmo? Então eu me lembro por que meu pai nunca
te respeitou: você não merece respeito. Talvez por isso ele nunca tenha falado
na vida sobre o próprio pai: de vergonha!
– Boa noite, meu neto.
– E talvez eu saiba por que quer tirar meu
sangue: é pura inveja! Porque não tem sangue correndo pelas suas veias! Não
tem!!!
Lucius se retira. Sobe as escadarias sem olhar
para trás. Os olhos de Andy transbordam com um ódio nunca sentido antes em
relação ao avô e ele fica trêmulo e ofegante ao ver sua figura covarde
distanciar-se. Sente medo.
Por um instante tenta acreditar que não
passava de um blefe para assustá-lo, talvez devesse apenas subir para o quarto
e esfriar a cabeça, pedir desculpas e conversar com calma amanhã. Mas, para sua
surpresa, o carrasco chega, com um capuz preto cobrindo-lhe a cabeça, rápida e
agressivamente. Tenta agarrar Andy, mas ele o empurra dizendo:
– Eu sei aonde quer me levar! Só não concordo.
Ao constatar a veracidade da intenção, seu
ódio aumenta a um nível que jamais alcançou, por ninguém em sua vida.
Sente vontade de reagir, sente uma força
estranha se espalhar por seus músculos. É adrenalina. Andy antecipa o que o
espera, ele que jamais sentiu dor. Não uma dor considerável, pelo menos. Jamais
caiu dos cavalos ou de nenhuma das árvores que sempre amou escalar. Jamais
apanhou de seus genitores e até quando seus irmãos bateram nele por qualquer
motivo, não pesavam a mão. Ninguém nunca lhe quis mal, Andy era um bom menino,
não era? Não foi o que sempre repetiram?
Por que isso?
Impotente e chocado, sempre com o truculento
funcionário querendo agarrar seu cangote como se fosse algum animal fujão, Andy
sobe as escadas que o levam até a torre fugindo desse toque, encolhido e tenso.
As mãos do carrasco são ásperas e geladas.
Parece um caminho interminável. Não acredita que tenha feito por merecer isso,
não admite a crueldade daquele que deveria ser seu tutor para com sua até hoje
tão dócil pessoa.
Sua respiração está pesada e difícil, os
dentes travados seguram os berros de revolta que precisava soltar para que seu
coração voltasse ao ritmo, mas aquele imenso homem jamais o permitiria. Está
ali para conservar a autoridade do rei, não importa que esse mesmo rei esteja
completamente errado!
Uma porta velha de madeira logo à frente está
fechada. Andy espera o carrasco abrir. Feito isso, leva um empurrão gratuito,
apenas para ter um gostinho do que o esperava depois que essa porta novamente
se fechasse. Na sala redonda, diversos objetos de tortura: caixa de pregos,
esticador, uma mesa cheia de correntes para exercitar a criatividade do carrasco.
O homem o aconselha a tirar a camisa e o
indica um pequeno banco e duas correntes que vem do teto, com uma algema em
cada uma. Andy tira a camisa, sobe no banco, e o carrasco, bem mais alto, o que
era raro, algema suas mãos. Feito isso, ele chuta o banco e Andy fica pendurado
pelos pulsos que doem por estarem apertados.
Ele gira devagar, as correntes são pendentes e
se mexem bastante. O carrasco vai até um armário procurar o objeto mais próprio
para agredi-lo. Ele procura, falando:
– Olha, eu não sei o que você fez ou deixou de fazer. Só sei que o Seu
Campbell falou para eu não te machucar muito.
– Admira-me a consideração que ele tem por
mim. Me emociona. – ironiza, trêmulo.
Andy cerra os dentes de dor: suas mãos ardem.
O frio da noite aumenta a sensibilidade de sua pele. Será uma noite longa.
O silêncio é doloroso, as correntes muito
mais. O carrasco sai com um chicote médio, feito especialmente para surras. Ele
chicoteia o chão. O barulho é seco. O carrasco fala:
– Vou fazer uma brincadeirinha com você.
– Que adorável... – sorri nervoso e
sarcástico.
– Ouça: eu vou girar você e contar até três.
No três eu te atinjo. E o que eu vou acertar, vai depender do que estiver
virado para mim enquanto gira. Mas não se preocupe: vou deixar você ter filhos,
viu?
– Hm, adorável e generoso...
Ele segura suas costas nuas e o empurra, o
fazendo girar. As correntes vão se encolhendo e isso as faz espremerem ainda
mais seus pulsos. Ele flexiona os braços, num apelo contra a dor. Não adianta.
Vai abaixando-se devagar e com isso as correntes começam a desenrolar.
O carrasco conta até três e bate.
Andy
grita por impulso. Acertou na lateral.
Ele faz de novo: acerta o pescoço e o tórax.
Mais uma vez: o lombo. Novamente: os peitorais, em cheio.
E os gritos contidos pelos dentes travados de
frio se estendem pela noite. A tortura dura, mais ou menos, duas horas, mas
acaba, depois de outras “brincadeiras”.
Andy é jogado na masmorra, que fica na sala ao
lado, exausto. Para não ser visto por outros prisioneiros vai direto para a solitária.
Dorme lá, acorrentado, mas pelo menos no chão. Praticamente desmaia, dolorido
dos pés à cabeça.
3 comentários:
Que nervoso, vc fica fazendo mistério!!!
Andy acaba de descobrir como é difícil ser um quase adulto na corte. Um pouco tenso este começo do capítulo 7, veio realmente a calhar com este ano de 2014 que é também 7, segundo a Kaballah é o número perfeito. Vamos ver como se sai nosso lindo príncipe. ....
Adoro o número 7 pois sou também a sétima filha de minha família . Muitas emoções virão. Grata Má . Bjs.
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