segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Capítulo 12 - "O Conselho de Magos"

 

Dentro da noite, um cerimonial acontece no subsolo do castelo. Para chegar até lá desce-se através de uma larga escada em espiral, tendo ao redor paredes de pedra bruta, tal qual uma polida caverna. A sala de reunião é muito bonita, mas bastante sombria: seu formato redondo, também de pedra, sustenta belíssimos suportes para tochas rústicas.
Andy sente um cheiro de rio junto a um leve perfume de incenso invadir suas narinas. Deveria se sentir bem, mas não. Ali é pesado.
Bandeiras carregando o símbolo do Reino de Elderwood, um dragão de imponentes asas, ocupam o espaço entre as luminárias. No teto ogival, a pedra bruta é trabalhada em esculturas de baixo relevo, onde mais dragões e outros seres mágicos podem ser vistos. O piso é coberto por finos tapetes, repletos de símbolos feiticeiros. Ao centro, a mesa oval de madeira finíssima, mas muito, muito antiga. Intermináveis cadeiras belissimamente entalhadas rodeiam-na.
Os Conselheiros Reais entram primeiro, Andy pede para entrar com eles. Senta-se à mesa, onde cada lugar tem seu respectivo ocupante de direito. Andy ainda não tem o seu: divide o espaço com Poler, que vai, em voz bem baixa, explicando tudo que vai acontecer.
Em um longo ritual, o Conselheiro Mor, Senhor Willian Deris, apresenta cada um dos cinquenta magos que fazem parte da Assembleia. Andy fica impressionado com suas imponentes figuras, quase sempre dotadas de longas barbas e mantos pesados. Alguns portam cajados e são verdadeiros druidas, outros possuem casacos ornamentados com bordados em cores vistosas, outros são mais sombrios, parecem assombrações. Por último, entra o rei.
Estando todos presentes, Deris, senhor de mais idade que Ian Poler, um pouco mais gordo, – o que não é difícil – bastante calvo e com farto bigode unido às costeletas, lê a pauta:

Algumas mulheres estavam ensinando rituais mágicos para pessoas leigas. O que fazer a respeito?

As opiniões se dividem: há quem não se importe, há quem queira coibir. Um mago chamado Yeronimus Jobarth, magro, de barba rala, longa e extremamente branca, levanta-se para ter a palavra e fala, enfático:
– É necessário que listemos quais práticas são permitidas para todos e quais são perigosas.
– Concordo – comenta outro, careca, barba espessa e grisalha e corpo mais gorducho, chamado Charles Freathorn – mas a lista de rituais possíveis é muito extensa!
– Alguém se informou sobre quais práticas estão sendo ensinadas? – pergunta outro cuja densa barba cacheada espalha-se pela mesa, chamado apenas por Salomon.
A complicada questão toma horas, a discussão torna-se até mais calorosa. O mago Maltrack, muito magro, de grande cabeleira ruiva e barba curta, exclama:
– Isso é uma verdadeira banalização do ritual mágico! Não é possível que estejamos mesmo cogitando liberar essas práticas para os leigos!

Em meio ao tédio e o medo de comentar algo publicamente, Andy acaba chamando a atenção de Poler, em um tom de voz muito contido:
– Ei, Ian: sabe, de tanto ouvi-los falando de magia, não consigo mais segurar de te contar uma coisa…
O Conselheiro ouve com atenção, enquanto Andy conta-lhe o que aconteceu quando tinha nove anos nos campos de Ecklacia. De como o furacão entrou em seu corpo e o chamou de Mestre da Magia. Conta até dos Elementais com que convivia nos bosques perto de sua aldeia. Só não conta que ainda encontra alguns nos bosques do Palácio, porque não sabe o que ele vai pensar.
Poler fica boquiaberto:
– Por que não me contaste isso antes, Andy?
– Porque tinha medo que me achasse mentiroso, louco, sei lá. Os únicos que acreditaram em mim foram minha irmã Evelyn e meu pai, só que ele só confessou isso no leito de morte dele.
Aquele murmurinho irrita Maltrack, que lhes chama a atenção:
– Posso saber o que Vossas Senhorias falam de tão interessante que não possa ser dividido com todos do Conselho?!
– Sabe o que é, Vosso Poderio – responde Andy, usando o título usado entre os magos para tratarem-lhe com respeito, deixando Poler apreensivo pelo que o garoto pudesse vir a contar, mas ele continua – é que eu comentava com nosso caro Conselheiro, por que será que ninguém teve a ideia de trazer essas mulheres feiticeiras aqui para essa reunião. Só assim elas podiam explicar o que elas estão ensinando, para quem, de que maneira e por quê.
Um longo silêncio toma conta do recinto. Depois de horas de discussão, é isso que o menino resolve dizer. Cinquenta e quatro homens olham para aquela criança que olha de volta sem saber se fez mal.
Maltrack senta-se em sua cadeira, olha em volta, suspira e fala entediado:
– Que dia Vossos Poderios estarão disponíveis?
De fato todos os presentes acabam por concordar que essa discussão não levaria a lugar nenhum sem que os detalhes das práticas fossem esclarecidos pelas praticantes. E assim termina essa reunião para que no próximo mês seja retomada com a participação delas.
A saída não tem nenhum ritual e Poler pergunta, em meio às conversas de despedida – que não incluía que se despedissem do garoto, completamente ignorado pelos magos – ao seu pupilo:
– Mas de onde veio essa ideia?
– Ah, – responde despreocupado – eu estava pensando isso desde o começo, mas ninguém pediu minha opinião. Daí quando ele pediu, eu falei!
Poler abraça o menino com um dos braços e leva-o para fora, escada acima. O rei os encontra no fim da escadaria e fala ao neto:
– Espero que venha para a próxima reunião. Não foi uma ideia brilhante, mas foi útil. Quando esses anciões começam a falar, não há quem os pare.
O rei sai, altivo. Andy olha para ele sem entender, olha para Poler e este ergue os ombros e sorri:
– Não te preocupa, Andy, ele não sabe elogiar. – o menino sorri, quando Poler comenta – Quanto àquilo que aconteceu contigo, consegues imaginar o que quis dizer? Por que ficaste parado? Como que o tornado foi entrar em ti dessa maneira?
– Não sei, Ian, nunca entendi. – responde preocupado – Mas alguma coisa deve significar! Não acontece com todo mundo, acontece?
– Andy, Andy… – balança a cabeça o Conselheiro enquanto acompanha o menino até seu quarto num sorriso leve – tu és mesmo um mistério da ciência…

***

Próxima reunião do Conselho, todo o ritual se repete. Logo após a chegada do rei, cinco mulheres são convocadas: Marieva Frinch, Silvia May Katrina, Perséfone Paifane, Yeda Amarantha e Thabata Awluch. São elas as “acusadas” de estarem ensinando as práticas mágicas para os interessados da população.
Willian Deris novamente lê a pauta, novamente Jobarth, o feiticeiro mais antigo da mesa toma a palavra:
– Pois bem, minhas senhoras – todas as cinco são casadas, mas duas são figuras mais jovens, sendo que Yeda conta apenas trinta e dois anos – Será que podemos saber o que estão fazendo de fato?
Marieva, com seus oitenta anos de idade, a aparência de uma velha índia de olhos azuis e cabelos muito longos e cacheados, toma a frente, como a mentora das demais:
– Vossos Poderios, Vossas Excelências, Vossa Majestade… Nossa intenção é humilde e nobre. Tudo o que fazemos é apresentar aos interessados, em nossas reuniões semanais, tudo que nos oferece de livre acesso nossa Grande Mãe Terra. O contato direto com os Elementais, os Elementos, a conquista de sua simpatia, o poder da Natureza, a re-ligação… Tudo isso e apenas isso.
Os feiticeiros se entreolham e um deles, chamado Loris Thurmann, pergunta com sua voz estridente e rouca:
– E que práticas exatamente incluem esse “curso”?
– Práticas xamânicas, práticas iniciativas, práticas que atraiam as forças naturais. Nada, repito, nada que mexa com as forças ocultas. Todas são forças da Mãe Terra, nada de Espíritos das Trevas, nada que não seja nossa essência. Já disse: re-ligação, aprofundamento de laços e só.
– Que livro as senhoras usam? – pergunta Maltrack.
Silvia, de cinquenta anos, muito esguia, coloca o livro sobre a mesa e diz:
– É todo manuscrito e as últimas vinte folhas foram escritas por nós.
– E por que acham que suas práticas devem ser permitidas? – pergunta o rei, enquanto o livro é manuseado pelo feiticeiro, sendo imediatamente reverenciado pelas “convidadas” – Que benefício isso traria ao meu reino?
– Permita-me. – pede Yeda, tomando a frente das demais – Vossa Majestade, por uma simples razão: é Magia Branca, não agride, não visa acúmulo de poder. Nossa vontade é que nossa função não seja mitificada ou mistificada, queremos que a população entenda como a Natureza é especial, a força purificadora que ela porta e assim reforçar o Pacto feito por nossos ancestrais e guardado por Vossa Majestade e vossos futuros descendentes.
– Estamos juntos, – completa Perséfone – não disputando com Vossos Poderios. A nossa função é complementar. O que fazemos faz com que o povo glorifique ainda mais os verdadeiros detentores do Poder…

É aí que Andy compreende sobre o que tudo aquilo se tratava: os Feiticeiros tinham medo, não que elas pudessem estar fazendo algum mau para o reino ou para as pessoas, mas que, com muitas pessoas tendo acesso ao seu conhecimento, pudessem acabar sendo desbancados! Ora, mas que grande bobagem! Que homens egoístas! O príncipe vê aquelas pobres mulheres tendo que se explicar para aqueles homens rudes que deveriam aplaudir sua iniciativa e as admira. Essa lição de humildade deveria se espalhar por toda essa mesa.
Maltrack passa, com desdém, o livro adiante e cospe suas críticas:
– Bem, não vejo porque deveríamos nos preocupar com essas práticas demasiadamente infantis. Aliás, não vejo nem como conseguem adeptos a tamanho amadorismo.
– Todos devem começar do começo. – responde, resignada, a velha Marieva.
Os próximos na roda folheiam seu livro, alguns com mais respeito que outros. Quando chega às mãos de Poler, Andy estica os olhos e o Conselheiro permite que leia.
Andy fica maravilhado. O que aquele livro prometia ia muito além do que poderia imaginar! De Quiromancia à Viagem Astral. Entre domar a chama de uma vela, chegando à de uma fogueira! E, veja só: conversar na língua dos dragões! As lições vão se sucedendo até a levitação de corpo inteiro. Que admirável! Seus olhos brilham.
Poler observa, folheia, passa o livro à frente e cochicha para o pupilo:
– Quiromancia eu sei. – e sorri.
– É? – abre os grandes olhos verdes – Como aprendeu?
– Minha avó era cigana. – espera a próxima oportunidade e confessa – Já ganhei muito dinheiro lendo mão na rua. Mas isso quando era criança.
– Leia a minha, Ian! Por favor! – contorce-se de curiosidade.
– Depois, pequeno, depois. – despista, para não chamar muito a atenção.
Andy que pensava que dessa vez seria mais rápido é forçado a ver como os feiticeiros conseguem gastar duas horas inteiras indagando e indagando o que lhe pareceu tão óbvio desde o princípio. Era mais importante humilhar as mulheres do que resolver o problema. Queria muito ter uma solução como da última vez para fazer esses poderosos velhos ranzinzas fecharem a boca. Como se pode admirar e desprezar tanto as mesmas pessoas, pergunta-se Andy, pois é isso mesmo que sente por eles. Queria saber o que eles sabem, mas não ter um décimo de sua empáfia.

Quando não têm mais o que questionar e não acham mais desculpa nenhuma para proibir a prática das boas senhoras, eles as liberam e fecham a discussão:
– Mas estaremos sempre atentos! – avisa Freathorn – Não vão se estender muito nessas lições. As senhoras não têm cabedal para instruir futuros feiticeiros!
– E se alguém quiser continuar, avançar as práticas – pergunta Thabata – podemos indicar Vosso Poderio para instrui-lo?
– Bem – desconversa o mago – antes devo avaliar essa pessoa. Não é qualquer um que pode ser meu discípulo.
– Entendi. – as mulheres se entreolham com um disfarçado olhar de zombaria.
Fechada a discussão, todos começam a se levantar.
Andy corre atrás das bruxas, animado como só ele. Segura o manto de Perséfone para evitar que elas sumam de vista. Conquista a sua atenção, falando baixinho:
– Senhora, senhora! Eu quero aprender! Vocês podem me ensinar?
– Quem é você, menino? – pergunta a mulher, que não tinha o visto no meio daquela enorme mesa.
– Meu nome é Andy! Tenho treze anos! Já vi Elementais! Eu aprendo rápido! Por favor, me ensinem. – olha-a com um olhar pidão.
Ela olha as outras que param para observar. Parece haver uma telepatia ali, pois Perséfone logo responde:
– Nós não temos alunos tão novos, mas… se você já viu Elementais. Afinal, o que está fazendo aqui?
– Ah, eu vi tudo! Sou o herdeiro do trono.
– Ei, menino – alerta Silvia, num sussurro severo – não vai nos trazer problemas, heim?
– Eu prometo, senhora. Serei um bom menino.
Termina com um cartão manuscrito delas, onde está o horário, o local e o dia do encontro.
Poler observa de longe, em silêncio.

Apenas no dia seguinte, após o café da manhã é que vai perguntá-lo em tom de reprimenda:
– Por que queres te meter com isso agora? És uma criança, Andy!
– Mas, Ian, eu preciso de respostas! Eu quero saber por que aquilo aconteceu comigo! É importante para mim!
– Por que com elas, se conheceste tantos feiticeiros aqui?
– Eles nem olham na minha cara… – fala emburrado – Além do mais, uma delas se parece com a minha avó lá de Ecklacia. – confessa seu lado infantil, roubando um sorriso de Poler.
Ian tem vontade de continuar a indagar, mas acaba soltando uma gargalhada que deixa Andy desconcertado, mas que acaba rindo também.
O Conselheiro chama-o:
– Vem. Já que és moço o suficiente para aprenderes magia, acho que também deves aprender a te defender.
Poler leva o garoto para fora, dão uma boa caminhada pela grama verde até chegarem a outro setor, onde um pequeno ginásio de paredes vazadas permite distante visão do haras. Do lado oposto, o lago. Uma brisa fresca traz o cheiro do bosque para onde vários guardas batem espadas de madeira, concentrados. Ao verem Ian Poler e o jovem príncipe entrarem, porém, param o que faziam e os reverenciam de forma rápida. O Conselheiro responde gentilmente, indo até uma saleta para pegar dois protetores de peito e duas espadas de madeira.
Joga uma para Andy que exclama empolgado:
– Uau! Então eu vou lutar?
– Sim, garoto, quanto mais cedo melhor.
Seus olhos brilham. Andy ensaia contra o ar, golpeando o adversário invisível com entusiasmo.
Entediado, Poler cruza os braços:
– Muito bem, Vossa Alteza Real. Contra ninguém é fácil. Agora vamos aprender como fazer caso lutes com alguém.
Andy olha para ele e torce a boca, irritado: quando Poler o chama de Alteza, é porque está chamando-o de bobo. De “Vossa Alteza Real”, praticamente de palerma! Andy guarda a espada de madeira na bainha imaginária e segue-o.
O Conselheiro se posiciona num campo bem aberto, flexiona os joelhos, deixa a espada a trinta graus à lateral de seu corpo e avisa a Andy:
– Primeiro vais me imitar, depois vamos praticar juntos, depois um contra o outro. Mas não será tudo hoje.
Incrédulo, o principezinho desdenha:
– E desde quando sabe lutar? Não foi formado em Diplomacia?
– Fui, logicamente. É pré-requisito para exercer a função de Oficial do Reino. Antes, porém, como muitos, lutei no exército. Fui para duas batalhas, lutei entre os soldados. Creio que tenha sido competente, visto que não morri.
– E matou?
Responde tranquilo, como responderia se o perguntassem se lembrou-se de escovar os dentes:
– Matei.
– Você matou?! – repete chocada a criança.
– Ora, por que esse espanto?
– Nossa, Poler, que horror! – balança a cabeça com um olhar reprovador.
Poler bate o lado de sua espada falsa de leve em sua orelha. Alerta:
– Ou tu me imitas agora, ou vou dobrar tua lição à tarde.
Andy trata de arrumar seu protetor de peito e flexionar os joelhos logo. O posicionamento certo, os movimentos certos, tudo vai sendo imitado. Andy não resiste a voltar ao assunto:
– Quando lutou na armada?
– Ah, eu era bem jovem… – rememora, num ar distante.
– E não é mais? – estranha Andy.
– Não muito.
– Quantos anos você tem?
– Bem – Poler sente-se um pouco desconfortável e resolve enrolar – digamos que eu passei dos trinta… e cinco… dos trinta e sete, vai.
– Caramba! – inocentemente, com os olhos verdes bem abertos, Andy escancara – É quase o triplo da minha idade!
– É, garoto, quase. – lamenta o Conselheiro – Mas não será para sempre! Agora em guarda!


Um comentário:

Marcio R. Gotland disse...

Quero só ver até onde a senhorita nos levará com esta saga. Parabéns, teu trabalho é ótimo!