Já se passaram quase cinco meses desde que Andy se
mudou para o Palácio de Pedra. Meses de encantamento e muito, muito estudo.
Agora já sabe por alto o nome de todos os reis de todos os reinos vizinhos,
conhece profundamente geografia e já tem noções básicas de política. Passeia
livremente pelo castelo, embora ainda se perca constantemente pelos corredores
– alguns realmente parecem labirintos – mas nada que sua memória fresca de
criança não o safe rapidamente.
Costuma largar as botas atrás de alguma cortina no
caminho, para andar mais sossegadamente sobre os tapetes macios.
Andy trava longos diálogos com os nobres que
aguardam na sala a oportunidade de falar com seu avô, deixando-os
impressionados com sua inteligência e suas ideias para o futuro de Elderwood.
Ian Poler gosta de sua determinação. Ensina-o sobre
assuntos avançados, como a importância de manter o valor da moeda e a
comparação com os valores desta nos outros reinos. Fazê-lo compreender as
ciências financeiras tem sido o mais difícil, ele que viveu doze anos sem
conhecer nada do assunto.
Poler se tornou o maior responsável pela educação
do garoto, que já completou treze anos, e, pelo seu bom trabalho, subiu de
Oficial para Conselheiro Real.
Lucius conversa seriamente com ele dentro de seu
gabinete:
– Parabéns, Poler. Está se saindo muito bem na
educação política do meu neto. Como acha que ele se sairá no poder?
– Quereis uma resposta sincera, Majestade?
– Mas é lógico!
– Melhor do que o senhor.
O Rei gargalha. Poler abre seu sorriso sóbrio, há
milhas de distância da afetação de seu superior. Lucius fala aliviado:
– Pensei que fosse dizer que ele era um caso
perdido...
– Como seria? Já conversastes com ele sobre a
economia da região Centro-oeste?
– Não, nunca. Mas ouvi falar dos convidados que ele
é muito bom.
Não é de hoje que Poler nota que o rei não tenta se
aproximar de Andy. A indiferença do monarca ultrapassara depressa sua
curiosidade inicial. O Conselheiro tenta tocar nessa questão de forma delicada:
– E Vossa Majestade não tem curiosidade em conhecer
melhor vosso neto? Afinal, ele é o futuro de vosso reino além de ser um garoto
adorável.
Mas não funciona. Irritado, Lucius revida:
– Aonde quer chegar, Poler? Supõe que eu não me
interesso pelo meu reino? Pela minha família?
É lógico que é isso que Poler acha, que qualquer um
concluiria, aliás, mas ele responde, polido:
– De modo algum, Majestade. – curva-se humildemente
e pede – Perdoai-me a impertinência.
Transfigurado, o rei esbraveja:
– Não te dei o direito de me perguntar coisa alguma,
ou dei? Quem pergunta aqui sou eu! Sujeito insolente! Suma da minha frente!
– Sim. Farei isso. Perdão, Majestade.
Poler retira-se, um tanto estafado, mas acostumado
com o temperamento explosivo de Sua Majestade. Andy, que o esperava do lado de
fora, perto da porta, sorri de forma simpática para Poler, segurando as mãos
atrás do corpo. Está limpo, até que bem arrumado, mas descalço como sempre. O
Conselheiro sorri em resposta e pergunta:
– Estavas aí o tempo todo?
– Começo a entender porque meu pai brigou com ele.
– dá seu apoio ao amigo.
Poler esfrega a mão em sua cabeça e puxa-o pelo
corredor. Empurra-o carinhosamente, mandando:
– Espero que estejas pronto, pois hoje estudaremos
as capitais!
– Ah… As capitais? – resmunga o garoto.
– “Oba! As capitais!” – exemplifica a reação que o
menino deveria ter, fazendo-o dar gargalhadas e repetir da maneira correta:
– Oba! As capitais!
E assim eles passam a tarde: entre estudo,
brincadeiras e mais estudo. Dessa maneira o vínculo entre mestre e aluno se
fortalece, a sensação de solidão do garoto vai diminuindo e seu sentimento de
que está ali para cumprir uma importante missão, aumentando.
Se foi dito a Andy que ele precisava ser tirado de
sua família naquele momento porque precisava ser preparado para receber o
reino, era isso que ele iria fazer. Era sua maneira de contribuir, seu
compromisso com a verdade.
***
Andy é chamado mais à noite em seu quarto, quando,
cansado de estudar, já usava seus cadernos de matemática para rabiscar fadas e
duendes.
As que andava conhecendo nos bosques do Palácio são
tão diferentes das de Ecklacia… São delicadas, elegantes, incrivelmente
perfumadas e possuem vozes que lembram mais pássaros da noite do que insetos.
Devem ser de outra espécie. Há pouquíssimo tempo tinha descoberto o nome de uma
que brotara dos galhos do jasmim e finalmente o anotava na beira da página
quando ouve baterem em sua porta.
Um Oficial devidamente uniformizado pede com muita
cortesia para que vá de encontro ao seu avô.
O mesmo o recebe em sua sala de leitura, onde
estantes de livros preenchem as paredes, bebidas destiladas preenchem
cristaleiras e uma lareira preenche o único espaço restante. É uma sala sem
janelas no interior do Palácio, por isso tem um cheiro de pinha queimada que
não chega a ser desagradável, mas incomoda um pouco o nariz do jovem aldeão. Já
tinha entrado ali antes? Não lembra. O tamanho do castelo e o número de quartos
nele é simplesmente absurdo. Cinco
meses não foram suficientes para desbravar todos os cômodos.
Um único sofá ladeia a cadeira de balanço preferida
de Sua Majestade, que diz ao neto enquanto prepara fumo em um belo cachimbo de
ébano:
– Não temos conversado muito todo esse tempo, não
é, meu neto?
– Não, meu avô, não temos. – sorri timidamente, os
braços para trás do corpo.
– Pois eu tenho uma porção de coisas para lhe
explicar. Sabe… – o velho ajeita-se na cadeira de balanço – andei sabendo que
se interessa muito pela política do Continente de Elion.
– Sim, muito. – fala com um pouco mais de emoção –
Pequenas decisões podem mudar a História de uma nação.
– Bem colocado. Tem estudado a História do nosso
país, como lhe mandei?
Essa frase lhe soa estranha, pois seu avô não lhe
mandava fazer nada. Simplesmente não convivem. Ele relega a professores e ao
próprio Ian Poler toda a sua educação. Durante as refeições, mal trocam
palavras. Longe de Andy querer contrariá-lo, porém. Apenas responde, gentil:
– Sim, senhor.
– E o que achou dela?
– Quero ser parte dela, como o melhor governante
que essa nação já teve! – diz com os olhos brilhantes, empolgado.
Observando-o com discreto desdém, Lucius demora a
se manifestar, tendo certo esforço em acender o cachimbo. Depois do primeiro
longo trago, enfim alerta o neto:
– Vá com calma, meu jovem. Não tente muitas
extravagâncias, que pode ser difícil manter esse nível com o tempo. Eu mesmo
quando entrei nesse palácio tinha a cabeça igual à sua. – duas mentiras, visto
que nasceu ali, e não, não tinha a cabeça como a dele, nunca teve – Ao longo
dos anos descobri que não é tudo tão fácil quanto parece. E deve aprender
principalmente que este Reino não é governado apenas por mim, ou por você,
quando assumir meu posto, e sim por cinquenta e quatro pessoas.
– Cinquenta e quatro? – Andy já perde cinquenta e
quatro por cento de seu ânimo.
Com o rosto erguido, o rei continua:
– Sim, meu jovem. Já deve ter ouvido falar da
Assembleia dos Magos. São cinquenta anciãos, que nos ajudam a tomar decisões,
ou que permitem ou não que a decisão tomada seja executada.
– Então não é o rei que manda? – o príncipe mal consegue
disfarçar sua decepção.
– É, mas não é. Vou te explicar. – Lucius se ajeita
novamente na cadeira, a boca torta quando traga a fumaça – O rei é o mais
importante homem da mesa. É dele que vem a palavra final. Mas, se mais que a
metade dos magos estiver contra a sua vontade, sua palavra é anulada.
Andy fica em silêncio, as sobrancelhas
desalinhadas. Não consegue aceitar isso dentro de si: todas as ideias que
andava tendo, ia ter que sujeitar à opinião de cinquenta e três velhos?
E se eles não concordassem ia ter que se contentar em esquecer? Isso é
revoltante! Olha para o chão, anda de um lado para o outro, até que não
aguenta:
– Mas, meu avô, isso é injusto! Então o rei não
passa de um homem de festas? Não decide nada sozinho?
Lucius demonstra, relaxado, que isso pra ele não
tem tanta importância assim, dando de ombros e soltando a densa fumaça pelo
nariz:
– Infelizmente.
– E os outros três homens, quem são?
– Os três Conselheiros, no caso Willian Deris, Uli
Campbell e Ian Poler. E agora você, meu herdeiro. – arremata de forma
simpática.
– Eu também?
– Lógico. Não que sua opinião realmente vá
pesar em alguma decisão, mas precisa saber como tudo funciona, para não ficar
perdido quando for governar em meu lugar.
– Sempre falam como se eu fosse começar amanhã
mesmo. – pensa alto.
O rei o olha:
– Mas estão certos. Ninguém pode dizer quando
morreremos…
– Nem mesmo esses magos de que fala? Já que têm
tanto poder – ao menos político – têm que saber alguma coisa!
Lucius não responde. Andy fica um pouco apreensivo,
ergue as sobrancelhas e comprime os lábios, até respirando baixo: não sabe se o
rei explodirá como fez com Poler hoje de manhã. Não é o caso. Lucius fica
pensativo, fumando seu cachimbo. Andy pede licença e se retira devagar.
3 comentários:
REALMENTE MÁ MATIAZI É UMA ESCRITORA
QUE COM CERTEZA TERÁ UMA LEGIÃO DE LEITORES.POIS ESTE LIVRO DELA É O PRIMEIRO NO BRASIL COM ESTE TIPO DE CONTO.ONDE ELA JÁ NOS PRIMEIROS CAPÍTULOS COMEÇA A FALAR SOBRE OS ELEMENTAIS QUE POUCOS CONHECEM.E É FANTÁSTICA A MANEIRA QUE ELA PASSA UMA MENSAGEM ATÉ MESMO COM UMA ÚNICA PALAVRA,MAS QUE PODE DESPERTAR EM NÓS LEITORES UM JEITO NOVO DE PENSAR.(COMO NO CASO DO OURO DOS MIDELINES,ONDE ELA MENCIONA O EGOISMO.)É ISSO PESSOAL EU RECOMENDO O LIVRO DESTA AUTORA.MUITO BOM MESMO E SÓ ESTAMOS NO COMEÇO.BJS.
Andy está vivendo como princesa da Disney, estou com inveja, hahahahahah! <3
Idéia genial que o herdeiro seja o neto e não o filho... Para mim faz todo o sentido!!!
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