quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Capítulo 5 - "O Primeiro Encontro"


É tarde, quase noite, no pequeno Reino de Mourões. As montanhas rochosas cobertas por vegetação delicada e bem verde estão escuras no momento pelo céu imenso e nublado que as cobre: um céu engolidor. O sol já começa a afundar entre os montes. As nuvens tempestuosas dominam o horizonte. Aquela brisa calma que reinava dá lugar a uma forte ventania. Parece que o céu irá cair. Um ano se passou e a estação das chuvas está de volta à pacífica aldeia, infalível e impiedosa.
No campo, oito dos onze irmãos cortam palha rapidamente, para dar tempo de levá-la seca até o estábulo. Sim, Paulinne e Samara eram as mais novas trabalhadoras dos campos de Ecklacia. Alguns vizinhos os acompanham. Apenas os mais jovens, pois os pais partiram levando as ferramentas mais pesadas e os burricos. 
Andy, então com nove anos, corta concentrado usando a foice com bem mais vigor que no ano passado. Logo sente ser tomado por uma energia, uma espécie de inspiração, que acelera seu coração e enche seus pulmões com um ar muito mais prazeroso.
A ventania começa a interromper o trabalho de seus irmãos: está forte demais, levando toda palha embora. Os garotos começam a ficar preocupados, ansiosos, mas nenhum deles sente o mesmo êxtase que dominou o corpo do menino, que larga sua foice devagar, e a vê ser puxada, arrastada, cortando sozinha a palha em seu caminho. Seus olhos verdes fixam no horizonte, justamente no ponto onde as montanhas do vale fazem um grande vão. E é lá que pode ver um casulo de nuvem dançando, ligado ao chão por uma força mágica. O ar entra mais forte em seu corpo, uma emoção que chega a umedecer seus jovens olhos.
Com uma expressão distante da felicidade, do susto, de todos os sentimentos que já teve, Andy vai até Francis, que tentava juntar as coisas para ir embora, e toca seu ombro:
– Francis, olhe aquilo.
O quarto filho dos Mideline olha. Olha e é tomado pelo pânico. Grita chamando a atenção dos outros e ordena que corram. Assim que veem aquilo, arregalam seus olhos e o obedecem desesperados lembrando há quantas centenas de metros estão da aldeia! Aquilo era um monstro de vento que devoraria a todos! Os jovens e as meninas lançam para longe suas foices, enquanto os primeiros pingos grossos atingem suas cabeças, e partem dali o quanto antes.
         Todos menos Andy. Ele está paralisado, maravilhado: um casulo de vento! Algo que toca o céu e a terra vindo em sua direção, cada vez maior e mais potente… Sem dúvida a coisa mais maravilhosa e inspiradora que já presenciou. Vem correndo, mas ao mesmo tempo parece lento e poético para ele, que o sente rugindo no fundo do peito. E cada vez mais alto! Seu brado é profundo, treme o cerne de sua alma, dá excitação e paz a seu corpo.

         Os jovens chegam à aldeia, gritando emergência aos vizinhos. Estes, então recém chegados do trabalho e da escola, ouvem o alerta e tratam de reunir as famílias aos berros. A praça central vai se esvaziando rapidamente e diversos timbres de voz soam no ar cada vez mais úmido, alarmados, espalhando a notícia de que deveriam todos se recolher para suas casas.
Os irmãos Mideline entram em casa e correm até o porão com os pais. Cedes começa a contar os filhos.
– E Andy?!
Ah, Andy, sempre o Andy… Desesperam-se. A ofegante mãe pensa em ir buscá-lo, mas não a permitem, exclamando e segurando seus braços com força:
– Não, mãe! Não dá mais tempo! – implora Paulinne.
– A gente não vai viver sem você, mãe! – chora Samara
– Ele vai ficar bem, não seja louca! – grita Dennis.
Cedes começa a chorar, sente gelar sua alma, um severo tremor nas pernas. Reza pelo filho, logo tendo a prece acompanhada pelas pequenas filhas e pelo som assustador da tempestade. Jason treme por dentro, chega a bater os dentes: isso só pode ser um pesadelo.

Andy não se move. As foices e toda a palha começam a voar e dançar em sua frente, porém sobre seu corpo o vento não exerce poder algum. Com a aproximação do casulo, Andy começa a ver árvores médias girando em pleno ar, como se pesassem menos que um pássaro, algumas delas até sendo trituradas pela força daquele ser.
Vê o tornado em sua frente, o corpo já encharcado pela pesada chuva. O forte vento gela sua pele, mas não o puxa. Sente a pressão do ar, porém, amassá-lo todo. Seu cabelo fica todo enrolado para cima e é a única coisa em seu corpo que o vento parece poder dominar. Está entrando no furacão. Sua roupa é chacoalhada, até rasgada, mas não sai. Quando menos espera, dá-se conta de que não há mais nada à sua volta. Tudo foi levado, levantado, sugado violentamente pelo ser extraordinário que permitia gentilmente que entrasse “pela porta”.
O barulho é ensurdecedor e ele mal pode se mexer, mais que tudo, por estar paralisado pela emoção. Na parte do olho do furacão, o vento abre espaço e o barulho é o de uma ventania dentro de um abismo. Andy olha em volta, aquele incrível casulo em que se encontra preso e parecia ter sido feito especialmente para ele. Olha bem para o alto e vê uma forma.
O tufão tinha olhos nervosos. O pequeno chama-o com o mais alto grito que pode dar:
– Senhor do Vento! Devolva nossa palha! Trabalhei com meus irmãos o dia todo por ela!
– MESTRE DA MAGIA! NÃO ME TEMESTE! – responde-lhe uma voz grave e potente, vinda do seu redor misturada ao som dos ventos – TU ME DESTE TUA CONFIANÇA! POIS ENTÃO TE DAREI MEU PODER!
O tornado começa a afunilar ainda mais, devagar. O ruído aumenta enquanto a largura diminui. O prazer de Andy torna-se uma tontura nunca antes sentida. Os perigosos fragmentos de tudo que o tornado arrastou no caminho, assim como a palha, vão voltando ao solo levemente. As duas faces de suas paredes aproximam-se mais e mais e mais… até que o tocam, ásperas, cortantes. Ele sente-se esmagado. Os olhos do tufão se fecham e o tornado inteiro entra em seu corpo. Andy fica surdo, mole e desmonta no chão.
Tudo gira em sua mente ainda numa velocidade vertiginosa e incontrolável. Toca o solo e não o sente, respira fundo e o ar parece rasgar seu corpo inteiro de dentro para fora. Tudo gira e gira e nada que ele tente fazer devolve as sensações naturais a seu corpo. Quando seus olhos aceitam novamente imagens, vê as árvores caindo ao seu redor. Desmaia.

Dentro de seus porões, as famílias ecklacianas se abraçavam aflitas, temendo o momento em que tudo começaria a ser sugado e levado embora. A lavoura, os animais, os telhados e os objetos pessoais, já tão restritos. Visualizavam a aldeia destruída, rezavam para que tivessem o que comer e que ninguém tivesse ficado para fora em desabrigo. As lágrimas das crianças já começavam a secar e nada do que temiam começava a acontecer: como? 
Os sons assustadores da tempestade vão se silenciando de maneira tão anormal que a expressão geral é de surpresa, como se cada um dentro de si duvidasse da possibilidade de tudo ter se acalmado tão rápido. O vento sopra como um suspiro uma última vez. Depois disso, calmaria.
Os primeiros a saírem do porão conseguem ver até um último brilho de sol, rubro e luminoso, atingir o topo das montanhas antes de desaparecer de vez. Os corações que ainda batiam com força se obrigam a asserenarem: o perigo passou. Mas como?
– Está todo mundo bem? – soa a voz da Sra. Ilome Tristian, sendo acompanhada apenas pelo barulho gostoso das gotas que caíam dos telhados de sapê encharcados.
É respondida por diversos vizinhos, que vão tomando coragem de colocar os pés descalços para fora, pouco a pouco. O chão molhado não combina com o céu tão limpo. Foi realmente um fenômeno curioso.
Os Mideline vão saindo do porão devagar, desconfiados, estranhando a situação, quando Heidi rapidamente escapa entre todos e sai correndo para fora gritando:
– Andy!!
Os vizinhos ficam alertas com a cena. Aguardam explicação, que vai sendo dada pelos demais que logo saem correndo atrás dela, avisando:
– Andy não está aqui! Não sabemos onde ele está!
Os demais aldeões já começam a espalhar a notícia entre os seus e se mobilizarem para ajudar a pobre família:
– O Andy estava lá fora!
– O menino sumiu?
– Quem sumiu? O Andy?
– Vamos! Vamos achar o garoto!
E se unem, indo todos atrás dos Mideline. Paulinne e Samara guiam o grupo, sabendo exatamente onde o viram pela última vez. Assustam-se ao ter que pular galhos de árvore, ferramentas e diversos detritos, cada vez mais reunidos, até chegarem ao ponto correto.
Para surpresa de todos, lá estava ele.
Andy é achado no campo totalmente despenteado e maltrapilho. Abre os olhos, assustado com o monte de gente o olhando. Vizinhos, irmãos, o pai e a mãe em cima dele observam intrigados. Quando percebem que está acordando, começam a vibrar de alegria. Os gritos de emoção fazem seus ouvidos doerem. Todos fazem perguntas e passam a mão na sua cabeça vendo se tem febre, se está ferido. É levado para casa carregado, mesmo dizendo não ser preciso.
Conta sua história, mas, como sempre, ninguém acredita.


Um comentário:

Marco Fischer disse...

Bem agradável de ler como sempre, foi um bom capítulo para desenvolver os personagens ^^ Incrível como você consegue tirar proveito de um cenário a primeira vista tão pequeno como a vila.

E adorei o Andy xD