Surge um novo alvorecer. Levemente nublado, é verdade, mas ainda assim
tomando conta do céu vitoriosamente.
Lucius toma o café junto à esposa e, naquela manhã, este está
particularmente demorado pelas interrupções sem fim à refeição. Isto devido aos
planejamentos para o almoço especial de noivado.
Rodeado de empregados atentos, Lucius divaga sobre seu banquete,
animadamente. Entre um gole no leite morno e uma mordida no pão fresco, ordena
que anotem o repertório da orquestra que os receberia na entrada. Depois de uma
garfada no queijo que ainda nem levou à boca, discorre sobre quantos tipos de
sobremesa deveriam servir. Os vinhos do aperitivo, a sequência de pratos, as
carnes, os chás para a conversa na sala... tudo antes que termine a taça de
suco.
Ah, isso é o que mais apraz Lucius III em sua vida de rei! Festas,
celebrações, banquetes! Seria o casamento arranjado apenas saudade de uma boa
festa de bodas? Que Andy nem desconfiasse disso.
Talvez, até o próprio rei negasse se lhe fosse perguntado, como que
insultado, colérico. Só se sabe que o leite esfria tanto em sua xícara durante
seu planejamento emocionado que chega a gelar.
Andy já tinha acordado há um
tempo, pois não conseguia dormir muito, ainda mais negativamente ansioso como
está. Tinha dormido mais cedo, por isso levantou elétrico antes do sol aparecer
e correu alguns quilômetros ao redor do bosque do Palácio, absorvendo do
orvalho e do canto dos pássaros toda serenidade possível. Precisava descarregar
a ansiedade.
Entra, passa pela família como se nem a visse e sobe as escadas depressa.
Toma um banho rápido e vai até a biblioteca, onde Poler, Campbell e Deris o
aguardam:
– Bom dia, senhores. E bom dia, Uli, como vão as namoradas? – dedica-lhe
um sorriso falso.
Uli não responde. Odeia essas indiretas. O príncipe senta junto à mesa de
estudos onde os três estão apoiados e Poler coloca em sua frente um grande
livro aberto:
– Deris encontrou.
– Oh, é o que eu pedi?
– Sua árvore genealógica. – responde Deris – Lembra-se que eu falei que
sabia onde estava? Aí está.
– Obrigado, Willian! Eu realmente precisava disso! Mas é um livro tão
grande.
– Ora, Alteza – comenta Campbell – Essa família tem quase dois mil anos.
Não me impressiona o tamanho desse livro, que, aliás, é um fichário.
– Grande fichário. Eu já estou aqui? – começa a folhar.
– Bem lembrado, Andy. – responde Poler – Mandaremos o escriba atualizar
isso. Lembra-te dos nomes de todos os seus irmãos e irmãs?
Isso faz Andy rir:
– Claro que sim! São apenas dez! Faz parecer que são quarenta. Mas me
deixe dar uma olhada nisso antes, certo?
– Como quiser, Vossa Alteza. – concorda Deris.
– Estaremos na Sala de Conselho se precisares de nós. – informa Poler.
Andy se vê sozinho e começa sua pesquisa. Vai até a última folha, onde o
último nome que consta é o de Lucius III. Não está incluído nenhum de seus
dezenove filhos, apenas sua esposa e atual rainha, Emanuelle.
Tem espaço para o seu nome, mas para os dos seus herdeiros não, pois
serão escritos em uma nova folha, depois incluída. Os ali relacionados são os reis, suas esposas e todos os seus filhos,
porém, os únicos netos que estão listados são os filhos do sétimo filho. E
mesmo assim já eram nomes infinitos.
“Meu pai me conta como
geração anterior, obviamente,” pensa Andy “mas acho que o que eu procuro é
apenas a relação dos que foram coroados. Lucius III, para cima é Lucius II,
Leerian, nossa única rainha, Louis, August, Roger… aqui está: Richmond. Sete
coroas acima de mim, então é este o homem: Richmond Mideline.”, conclui, Andy.
Já era
familiarizado com o nome de quase todos os reis da dinastia. Quem era avô de
quem é o que sempre lhe escapava.
Corre os dedos
pelas páginas do grande fichário. A vida e as boas e más ações de cada rei
estão ali relatadas, antes da parte da árvore genealógica, como pequenas
biografias, como seus legados à posteridade. As páginas são costuradas de forma
que novas folhas possam ser incluídas a qualquer momento, tanto no final quanto
no meio do imenso volume.
A vida de
Richmond Mideline, como aparece na marcação logo ao lado do seu nome, estava
contada na página 2037. “Não me imagino lendo isso tudo”, pensa Andy,
assim que finalmente encontra a lauda correta.
Ele se debruça
na mesa e se põe a ler: “Richmond Mideline nasceu em Shelter, capital do
Reino de Elderwood, no Quarto dia da Crescente de Tetráster, no ano de 4203 do
Calendário das 13 Luas…”.
***
Rose é arrumada pelas empregadas. Elas penteiam suas longas mechas,
ajeitam os cachos delicadamente em suas pontas e também trançam algumas. O
vestido escolhido é um de tom acobreado, de mangas de fino tule transparente
dourado com alguns bordados cobrindo o colo e os braços. Ela se olha, apática,
no grande espelho dentro de seu quarto.
Christopher anda em círculos na sala, exultante. Vai almoçar na mesma
mesa que o rei e logo faria parte da família Real, como sogro do herdeiro do
trono. Não se contém de emoção. Sente-se tão importante! Sua mente já constrói
cenas de intimidade dentro do Palácio que não visitava há tantos anos. Ah, suas
conversas na Alta Sociedade Aldéa serão outras… Quem mais ali poderia se gabar
de fazer parte da Família Real? Não seria como Valfrida Lorjiss, cujo filho é
casado com uma das oito filhas de Lucius III, não: sua Rose será, de fato, a
rainha um dia. Rainha! Os Harmand subirão a um pedestal inalcançável,
certamente será alçado a Duque! Arquiduque! Que dia emocionante! E graças
justamente à sua caçula, que sempre lhe rendeu tantas preocupações.
A garota desce pronta pela
escadaria, com os olhos frios, mesmo assim maravilhosa. O homem até acorda de
seu sonho de grandeza, espantado, os olhos bem abertos e brilhantes: nunca vira
a filha tão bela como está vendo agora. Talvez a mulher mais linda que já teve
a chance de avistar. Sua menina, sua flor. E ele estará, hoje, oferecendo-a a
um completo desconhecido, que poderia fazê-la sofrer. Bate-lhe um estranho e
ligeiro remorso. Efêmero, porém.
Ele ordena à filha que vá à carruagem imediatamente. E assim ela faz, sem
uma palavra. Saul observa-a, aflito, junto ao portão de entrada.
Rose senta na carruagem, tão parecida com a que trouxe Andy de sua aldeia
para o mesmo destino, com raiva nos olhos: horas se arrumando para o deleite de
um completo estranho. Devia ser fresco, egoísta, ensimesmado, burro, chato, até
mesmo pervertido! E ela estava sendo entregue de bandeja para ele.
***
Uli Campbell entra devagar na biblioteca. Andy demora a notar, mas quando
nota, reclama:
– O que você quer?
– Vossa futura noiva deve chegar a qualquer momento, Alteza. Sua
Majestade ordenou-me avisar para arrumar-vos. Perdoai-me.
– A qualquer momento? – preocupa-se.
Ele confirma, acenando com a cabeça. Andy deixa um marcador na página que
lia e sai da biblioteca, rapidamente. Empregadas o aguardam logo na porta. Cada
uma segura uma peça de roupa e é nítida a intenção de o vestirem. Andy contrai
a expressão, encabulado:
– Senhoras, bem, eu… sei me vestir sozinho. Agradeço.
Enquanto fala, vai colhendo das mãos delas suas roupas como se fossem
frutas, juntando-as no braço. Escapa rapidamente deixando apenas a empregada
que segurava suas botas ali, parada, com elas ainda em suas mãos.
Não sabe por quem a combinação de roupas tinha sido escolhida, mas era
muito bonita. Veste a calça preta e justa, a camisa branca de algodão de mangas
longas com babados, amarra o lenço branco no pescoço, arrematado por um broche
com o símbolo do dragão em prata sobre pedra azul-noturno. O cabelo é trançado
por cima, por baixo solto, e um paletó preto de mangas largas, todo bordado com
fios de prata, completa a vestimenta. Estava estonteante, mas, como sempre,
descalço.
3 comentários:
Que final sem vergonha! hhahaha
Má , muito bom mesmo está parte dois. Rose começa a despertar algum sentimento em Andy, que emoções serão estas? Estou muito curiosa mesmo para ver a próxima poetagem. Please please mais e mais urgente. Grata . Bjs
Esse Andy...
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