Andy faz
dezessete anos. Em todos os seus aniversários ele pede, em vez de festa, uma
simples torta de maçã, tal como sua mãe preparava – pois era a fruta da época
do mês de seu nascimento, Tetráster – e só. Mais que isso seria impraticável
para sua família tão humilde e com tantos aniversários por ano.
A diferença desde que se mudou para Elderwood é que além da torta recebe
um presente. Este ano foi um novo violino, um dos melhores fabricados em todo
Elion, já que se mostrava bem evoluído em suas técnicas.
Apesar de ter passado a manhã inteira
namorando o instrumento, tocando todo seu repertório além de cheirar
apaixonadamente sua madeira, depois do almoço Andy já está trabalhando.
Ele calcula com Poler o desenvolvimento das
províncias reconquistadas por suas táticas, sua iniciativa e, logicamente, pelo
ótimo trabalho do Exército reformado. Estas haviam sido tomadas pelos reinos
vizinhos nas últimas duas décadas, período de governo de Lucius III e seu
antecessor Lucius II. Seu avô não falara nada a respeito, Andy descobrira isso
fuçando em mapas antigos, dos tantos sequestrados para seu gabinete. Não
descansou até reconquistar todas.
A última tinha voltado a Elderwood há apenas
cinco meses sem que nenhuma gota de sangue tenha sido necessária, o que era,
para ele, sinal de sucesso absoluto. Eram oito as tais províncias que, voltando
a se comunicarem com o grande Reino de origem, retornaram ao mercado e iam muito
bem, até mais rápido do que os esboços de Andy apontavam, embora algumas não
passassem de terras selvagens e pouco habitadas eram, ainda assim, muito
valiosas.
Lucius observa de longe seu neto empenhado
diante de documentos, pesquisas e planejamentos, sua voz soando grave, as
costeletas que aparecem e se escondem sob os longos fios castanhos de seus
cabelos cacheados. É um homem que tem ali.
Ah, e é tão parecido com Jason…
Tem o mesmo jeito sério que se desmancha num
sorriso quando menos se espera. Era assim que ele era quando o viu pela última
vez. Seu sétimo, seu garoto, aquele que era simples demais para ser
compreendido.
Comenta com Uli Campbell, seu mais fiel
Conselheiro, quando o mesmo se aproxima, apontando o neto com o queixo:
– Como ele cresceu, não acha?
– Realmente, Majestade. – responde vivaz o
homem, idade igual à de Poler, enormes olhos azuis rodeados por suaves rugas,
cabelos loiros, sempre muito bem ajeitados e brilhantes, e característico furo
no queixo – Lembro quando ele chegou aqui. Batia no meu ombro. Agora, eu olho
para o alto quando falo com ele! Como um garoto pode crescer tanto em cinco
anos?
– Ele já se transformou em um homem. Já deve
começar a me dar bisnetos! – afirma categórico.
– Ora, Vossa Majestade, vamos com calma! – o
Conselheiro dá um sorriso amarelo, torcendo para ele estar brincando, mas sabe
que não é esse o caso pela entonação de sua voz, e já começa a ser tomado por
receio com essa determinação Real – Precisais saber antes se é isso que ele
deseja, não?
– Não venha com essa, Campbell. Ele pode
governar, não pode? Então também pode casar!
– Desculpai-me, senhor, mas acho que isso não
vai dar certo…
– Falarei com ele hoje mesmo! – estufa o peito o rei, ignorando o
conselho.
E de fato é o que faz. Na mesa, enquanto
jantam, Lucius conversa com o neto, na presença de Poler e da rainha:
– Como foi o seu dia, meu neto?
Andy franze o cenho, ergue apenas os olhos e
pergunta desconfiado:
– Muito bem, o que foi? O que você quer?
– Por que isso, Andy? – Poler fica até sem
graça pela reação do aluno à singela pergunta do avô.
– Sabe há quantos anos Sua Majestade não me
chama de neto e não pergunta do meu dia? – explica didaticamente, enquanto faz
movimentos circulares com a base da taça de vinho.
De fato fazia tanto tempo que era ignorado que
até tinha se acostumado a isso. Nem sentia mais falta dessa atenção.
– Não é nada disso, Andy. – explica o velho
rei, enquanto corta um naco de carne – Não quero nada, eu só... só estava
pensando no seu futuro.
– Hum. – olha-o desinteressado, dando um gole.
– Você precisa se casar!
Assim que Lucius termina a frase, Andy se
engasga com o vinho tão profundamente, que saem duas empregadas da cozinha
desesperadas em seu socorro.
Assim que desengasga, Andy ri:
– Casar? Eu? Agora? Você só pode estar
brincando!
As empregadas olham-no encabuladas e depois se
entreolham. Poler sorri para ele entre a cumplicidade e a zombaria. A rainha
arranha a mesa apreensiva. O rei para de comer e o observa esperançoso. Ele se
vê cercado e volta a rir:
– Não, não… nem pense nisso. – todos ainda o
encaram. Andy se irrita – Qual é o seu problema? Eu não vou me casar agora!
Sai da sala de jantar enfezado, pela porta de
trás, para onde se chega aos jardins. Poler olha para o rei e brinca:
– Que bom, Majestade: conseguistes fazer Andy
parar de beber!
Andy senta-se na borda da fonte. A Lua espalha
sua luz por trás de fina camada de nuvens. O rapaz reflete, ouvindo o brilhoso
som da água que borrifa sua umidade em suas costas. Sabe que quando seu avô põe
uma coisa na cabeça é difícil tirar. Mas ele nunca tinha pensado em algo que
mexesse tanto com a sua vida pessoal.
Ele olha para os pés descalços, cobre um pé
com o outro, sente-se encurralado. Como iria se casar? Nunca conheceu moça
alguma, apenas irmãs, parentes, bruxas… Tinha realmente se distraído nesse
ponto.
Nunca se apaixonou de verdade, apenas teve
amores platônicos. Aquela menina que sempre faltava à escola, que um dia
resolvia aparecer e seu coração batia um pouco mais forte. Aquela vez, com
quatorze anos, quando uma companheira de cultos, Luana, a quem sempre
considerou a mulher mais bonita que conhece, tinha dançado com ele com um pouco
mais de proximidade e o fez sentir-se desejado… mas riu dele tão alto quando
perguntou se ela queria companhia na volta para casa aquela noite que o fez
desistir de qualquer outra aproximação futura.
Pronto, isso era tudo que conhecia do amor.
Não quer realmente pensar nisso agora. Respira
fundo e sobe para o quarto devagar, murcho, torcendo insistentemente uma única
mecha de seu cabelo.
Espera sinceramente que amanhã o avô já tenha
esquecido essa história.
Quando o sol já começa ensaiar sair por trás
da bela Serra de Pylos, Andy desce para o café. Seu olhar procura o avô,
querendo sondar suas intenções antes de ter que responder qualquer coisa a
respeito da noite passada. Ah! A noite passada… Talvez a mais mal dormida de
seus dezessete anos! Sorri ao constatar: Lucius não está. Suspira aliviado.
– Bom dia. – cumprimenta suas empregadas,
simpático, se instalando na cozinha para tomar seu desjejum, contrariando há
muito tempo a recomendação de Poler para que não comesse com os empregados.
– Bom dia! – diz uma cozinheira magricela,
jovem e alegre, escondendo a franja loira por baixo da touca de pano – O que
Vossa Alteza decidiu sobre aquele assunto de ontem?
Um pouco aborrecido com a funcionária
impertinente, – mas que bela pergunta para começar o dia! Foge de Lucius, mas
não da cozinheira! – mas tentando não demonstrar, Andy responde educadamente:
– Desculpe, mas eu preferia não falar sobre
isso…
– Ah, mas vai ter! – avisa a pequena
fofoqueira – O rei saiu agorinha mesmo com uma carta para o Conde Artaniss,
comunicando que o senhor está disposto a esposar suas filhas!
– O quê?! – Andy larga a xícara que cai na
mesa.
– Aposto que se o senhor estivesse bebendo
alguma coisa agora, já teria engasgado! – ri a mocinha.
– Quando isso?!
– Agorinha!
Andy sai correndo da cozinha como um louco,
enquanto outra funcionária repreende com um tapa no ombro a jovem cozinheira
por sua impertinência.
O príncipe sai de casa esbarrando em todos,
que respondem com exclamações espantadas. Ao ver Uli, agarra seus braços e
pergunta:
– Pelo amor da Deusa, Uli, onde está o meu
avô?!
– Ele foi ao correio na carruagem. Fazia
questão de ir ele mesmo enviar a carta. Sabes o que seria aquela carta, Alteza?
– Um pesadelo, Uli! Um pesadelo!
Andy larga-o e vai correndo pegar o seu cavalo
que estavam levando ao banho, gritando: “Me dá! Me dá!”. Monta e sai
acelerado em direção aos correios, no centro de Shelter, espalhando o som dos
cascos se chocando contra as pedras das ruas por onde passa, esperando chegar
lá antes do rei.
Frustra-se, porém: quando finalmente chega à
frente do prédio, antes que pudesse diminuir o vigor do cavalo, obrigando-o a
dar voltas ao redor de si mesmo, o soberano já estava saindo de mãos vazias e
com um sorriso satisfeito por trás dos bigodes.
Andy para o cavalo ao lado da carruagem que
tinha trazido o seu avô, rodeada por alguns vassalos, implorando:
– Por favor, Majestade, não mande aquela carta
ao Conde!
– Qual deles? – pergunta, esnobe, descendo os
últimos degraus do prédio.
O jovem não entende:
– O Conde Artaniss. Não foi para ele que
mandou?
– Ah, claro! Para ele, para o Conde de
Harmand, de Gillon e de Vilanova. – enumera nos dedos.
– Para os três? – se assusta – Ou melhor,
quatro?
– Sim, e estes foram só os condes. Os duques
são bem mais!
– Por que está fazendo isso, Majestade? –
suspira decepcionado.
O rei responde duramente:
– Eu já vivi setenta e seis anos, Andy. Eu
acho que eu sei viver mais do que você…
– Mas não pode viver por mim!
– Chega de conversa. Volte agora para casa.
– Você vai se arrepender por isso, velho
presunçoso…
Andy sai desapontado e furioso.
Ele corre com o cavalo até a praia de água
doce do imenso Rio Adriah, há quilômetros dali, e encara aquele céu imenso da
manhã. Molha os pés e olha os casais que namoram à beira do rio. Observa-os se
beijarem e sente um vazio em si, como se a vida zombasse dele. Como se todos
dissessem em seus ouvidos “veja, príncipe, como agem as pessoas normais”.
Sentiria um dia isso que eles sentem? Essa
alegria, esse tipo de amor? Parece tão bom… E tão distante quanto a própria
Lua. Fica galopando próximo à água até se cansar disso. Não sabe de onde vem
essa angústia, só sabe que, desde que está em Elderwood, nunca se sentiu tão
mal.
Volta só de tarde para o Palácio, passadas
horas do almoço que fez questão de perder.
Poler, ao vê-lo de volta, vem a ele
preocupado. Andy o ignora, agoniado, com a mão erguida a separá-los, enquanto
foge em passo acelerado:
– Depois, meu pai, depois…
Vai até um banheiro buscar uma outra saída.
Mais precisamente uma passagem secreta para o subsolo. Com o cômodo
justificadamente trancado, empurra a parede e desloca os finíssimos azulejos para
dentro, até que seu corpo consiga atravessar o lado esquerdo da abertura rumo à
escuridão. Desce um longo lance de escadas em espiral sem nada enxergar, para
em frente a uma porta. Seu violino antigo aguarda ali ao lado e com ele toca
uma canção. Apenas ao fim da melodia a porta é aberta dando acesso a um lugar
misterioso, iluminado por velas em todo o seu contorno. Há cortinas muito
antigas, até um pouco rasgadas e algumas teias de aranha, mas em geral é
agradável em seu clima ameno e perfume de incenso.
– Minha mãe? – chama ele.
– O que foi, meu querido? – responde-lhe uma
voz rouca e cansada, vinda de trás de uma cortina.
Ela se abre revelando um novo ambiente de onde
sai uma velha mulher: é Ada.
Ela contara sobre esse lugar onde costumava
viver muito tempo atrás, para estar sempre perto de seus escolhidos, mas
escondida de todos os demais moradores do castelo. Voltou há dois anos, entretanto,
desde que encontrou Andy.
Era um lar antigo que havia abandonado.
Ada disse que seu pai era um bruxo poderoso
que fazia parte do Conselho dos Magos e que havia deixado o Palácio ao mesmo
tempo em que ele partiu. Desde que se dispôs a voltar, no entanto, nunca faltou
nos momentos que Andy precisou de um colo, de um conselho afetuoso.
A velhinha milenar chega a Andy – sua altura
não passa dos quadris do moço – e toca sua mão:
– Me conte o que está te perturbando, meu
filho.
A voz amargurada do rapaz confessa, enquanto
seu rosto se contrai em dor:
– Meu avô quer que eu me case. Eu não quero me
casar, minha mãe…
Ao ouvir isso, a velha se alarma profundamente.
Leva as mãos à testa, deixando Andy preocupado. A velha bruxa nem lhe dá tempo
de pensar, perguntando:
– Desde quando ele fala sobre isso, Andy?
– Começou ontem no jantar. Hoje ele mandou
cartas para diversos nobres que tivessem filhas solteiras. Não me consultou
antes de fazer isso: ele sabia que eu não o deixaria. Está tudo bem com a
senhora?
Ada ignora mais uma vez sua preocupação – a
dela parece maior:
– Ele não podia ter feito isso. Não podia…
Andy baixa os olhos, sentido. Encontra os da anciã
quando volta a erguê-los, puxando o ar:
– Me ajuda. Eu sinto uma dor terrível ao
pensar nessa ideia ridícula. Não me imagino sendo… eu acho que eu não sei amar,
minha mãe.
Ada está abatida com a notícia, mais do que Andy
imaginava que ela iria ficar. Os dois se abraçam, se acarinham cumplicemente
num suspiro, mas ela logo o afasta dizendo:
– É melhor você ir, meu filho. Sinto pessoas
chamando por você lá em cima.
Ele se afasta, devagar. Beija a sua mão, e vai
largando-a aos poucos, enquanto sobe as escadas. Vai embora.
A mulher volta ao seu canto, gemendo de dor: “Oh,
não… pobre Andy. Vai acontecer finalmente. Eu tinha tanto medo. Por que agora?”.
Era Poler que o chamava: velhos negócios que
ele adora tratar. E para repreendê-lo também: como sai assim tão cedo sem dizer
para onde? Não há para onde fugir.
4 comentários:
Ai, acabou por enquanto?!
Nossa que lindo este capítulo , a Autora nos mostra este lado quase oculto da vida de Andy. A ilustração feita por ela de Andy tocando o violino é tão tocante que posso até
Ouvir a melodia saindo pelo meio da floresta em lindas notas musicais. Adorei. Grata Má.
Amei o Brasão do Andy logo no topo do blog , para nos fazer lembrar que Andy está crescendo e logo vai fazer muito uso deste lindo Brasão feito por você especialmente para ele.
Essa ilustração é uma das minhas favoritas do Andy! (Acho que a outra deve ser ele com a maquiagem, hahahahahahh)
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