Os quadros nos corredores do Palácio
observam o que a distante mãe camponesa não veria: seu filho crescendo
notavelmente sob os efeitos da puberdade. Bem cuidados, seus cabelos
tornaram-se uma cascata de cachos castanhos e um estirão o brindara com
considerável altura. Até as roupas locais já caíram em seu gosto. Apenas
continua a ignorar os sapatos, aliás, como nunca. As mãos calejadas da infância
foram se tornando cada vez mais suaves e, no lugar da enxada, a pena molhada na
tinta se tornou seu principal instrumento de trabalho.
Já esgrima como adulto, cavalga como veterano e
sabe apreciar os vinhos do sul nas noites mais frias. Seu local preferido do
Palácio ainda é a biblioteca, mas de noite lhe entretém escapar para os
bosques. Já catalogou os nomes de todas as fadas de dentro dos muros e até se
arrisca a desenhá-las, uma a uma.
Andy aprendera a se aproveitar do fato de poder
pedir o que quiser dentro daquele edifício monumental. O que mais pede, porém,
são aulas: não consegue desenhar mãos? Mandem-lhe um professor de desenho! Quer
aprender flauta doce? Procurem o melhor maestro! Mas mesmo três anos de
regalias não foram suficientes para transformar o humilde garoto aldeão em um
jovem mimado. Andy ainda é grato, responsável, gentil e amistoso, como sempre
foi. Atender seus desejos é um prazer para qualquer funcionário do reino.
Sua companhia infalível continua sendo Ian Poler.
Quando o mesmo está ocupado demais, Andy faz questão de segui-lo como uma
sombra. Gosta de vê-lo trabalhar, aliás, parece que é só o que faz! Mesmo quando
deveriam passar o tempo livre despreocupados, Poler acaba fazendo-o conversar
sobre conhecimentos gerais. Para ele nenhum momento deve ser inútil.
Sendo o Conselheiro seu maior exemplo, Andy acaba
por aprender que é assim que um homem honrado se comporta: trabalhando noite e
dia, aprendendo e praticando, até se esgotar. E então, lançar-se sobre a cama
luxuosa e apagar, não dando chance para sentimentos de saudade ou solidão. Isso
Poler sabe muito bem como fazer. Ao contrário dos outros funcionários, Andy
nunca o ouve falar sobre romance ou família.
Era Andy que o ensinava, por sua vez, a colocar nos
afazeres uma pitada de lirismo e a abraçar longamente quando a carência falava
mais alto que as obrigações. Andy sempre o faz lembrar que é humano e que humanos
precisam de afeto. O apego entre os dois é tão grande que Poler nem percebe que
Andy cresceu. Quando o olha ainda enxerga o rapazinho de doze anos
recém-chegado de Ecklacia. E naquela primeira vez em que adentrou seus ouvidos
a palavra “pai”, dita pela voz do seu garoto, um sorriso puro escapou
inevitável de seus lábios e um beijo sincero foi depositado sobre aqueles
jovens cabelos castanhos. Desde então, os dois voltaram a ter família, mesmo
naquele frio Palácio de Pedra.
Tendo a aprovação e apoio de Ian Poler, Andy começa
a se espalhar com mais segurança. Participa cada vez mais ativamente das reuniões,
conquista alguma confiança dos magos e de todos os membros da Corte. Já é um
funcionário ativo e não apenas um “futuro-qualquer-coisa”. Não está na reserva.
Aliás, é muito mais fácil encontrá-lo interessado nos deveres administrativos
do que o próprio Lucius III.
Como assinar em seu lugar nos papéis oficiais ainda
não é possível, está sempre atrás de problemas administrativos há muito tempo
não resolvidos. Já que foram deixados para trás e ninguém se importa mais com
eles, tornam-se seu passatempo, onde exercita seu dom de achar soluções.
Considera-se um “desatador de nós” burocráticos.
Ganhara do avô a chance de transformar um dos
cômodos inutilizados do segundo andar em um gabinete. Com uma boa vista dos
jardins internos, o mesmo se tornara uma espécie de “depósito de documentos
abandonados”. Prateleiras e armários são abarrotados de processos arquivados,
derrotas jurídicas e problemas diversos que ninguém se dispôs a resolver. Em
seu entusiasmo juvenil já solucionou entraves originados em gerações passadas.
Mas um em particular ele ainda não havia resolvido: os invasores.
Esse impasse atrapalha em grande parte o
desenvolvimento do reino, pois basta um pouco de progresso financeiro ser
alcançado que alguns reinos vizinhos debruçam-se para dentro do território
atrás de seu quinhão. O dinheiro arrecadado com as boas produções é então
torrado em conflitos inúteis, tudo pelo simples direito de continuar a ser uma
nação livre. Nada tão preocupante para seu avô e demais responsáveis. Há quem
se refira a isso como “espantar as moscas da carniça”: era fácil, mas devia ser
feito sempre.
Andy não consegue ver dessa forma e já começa a
irritar-se com isso. Reclama a Poler, logo após o anúncio de novos soldados em
terras aldéas:
– Ah! Eu não acredito! Só pode ser uma piada! Nunca
vamos sair do buraco desse jeito.
– Não é um exército tão grande assim, Andy. – tenta
acalmá-lo, sentando na cadeira em frente à mesa do gabinete do príncipe,
olhando a ainda recente decoração do local – Verás que precisaremos de apenas
metade dos homens que usamos na vez passada.
O rapaz anda de um lado para o outro, inconformado:
– E quando foi a vez passada, Poler? Você lembra?
– Mês passado.
– É isso! – dá um leve tapa num armário – Isso que
me irrita! Não conseguiram mês passado, por que querem tentar de novo esse mês?
– Querem vencer-nos pelo cansaço. – responde calmo.
– Ah, conseguiram: já estou cansado deles! Como é o
nome do reino?
– Mnohir. O único reino ao sul do nosso território.
– Se o território fosse maior, pelo menos – fala
pensativo.
– Como assim? – pergunta o Conselheiro, entretido
girando um pequeno globo terrestre, cujo desenho dos continentes em nada lembra
o conhecido pelos homens elétricos.
O príncipe divaga:
– Se tivéssemos mais terras, Poler, não
precisaríamos ficar temendo invasões contínuas de reinos tão insignificantes. –
volta a andar de um lado para o outro com seus pés descalços sobre os tapetes
rubros e macios de seu gabinete – Sabe, o que me disse agora, acho que foi
“precisaremos de metade dos homens da vez passada”?
– Penso que sim.
– Está errado, sabe, Poler? – ele estaca em frente
à janela, olhando sem ver os jardins, enquanto tamborila os dedos sobre os próprios
lábios rígidos.
– Estou? – estranha aquele que o havia ensinado
tudo sobre administração até então.
– Está sim. Eles estão querendo que pensemos assim.
– Andy fecha o punho que permanece erguido e sorri, decidido – O que eles não
esperam é que, contra o mísero exército que colocaram em nossas terras,
colocaremos o triplo de homens da batalha passada! Assim nunca mais invadirão
Elderwood, ou você invadiria?
Surpreso, Poler sorri:
– Não, com toda certeza.
– E, dependendo do resultado de nossos homens contra
eles… – seu cenho fica tenso e o olhar volta a se perder no horizonte –
poderíamos até mesmo invadir Mnohir. – ergue as sobrancelhas e vira-se ao
professor, despreocupado – Mas deixemos para pensar nisso depois. Nosso
exército não é o melhor estruturado de Elion. Não ainda. É melhor não dar um passo
maior que as pernas agora.
– Concordo.
Andy acorda de seu devaneio e pergunta espantado:
– Concorda, é?
– Com tudo. Aliás, se eu fosse tu, pediria uma
audiência com o rei e diria tudo que disseste a mim agora a ele. Acredito que
não há como ele negar.
– É o que farei, meu amigo – sorri o rapaz.
Ao contar tudo ao rei, mesmo com a usual relutância, sua ideia é estudada, melhorada e aceita. Fica assim definido o contingente, as táticas, as armas usadas.
Um mensageiro parte imediatamente levando a
intimação para que o exército de Mnohir se retire das terras aldéas. Obviamente
ignorado o pedido, o encontro das armadas é estabelecido como inevitável e é
iniciada a locomoção silenciosa do exército até as fronteiras do sul. É
proibida a música, as conversas desnecessárias e até as bandeiras de dois
terços dos homens, marchando em caminhos paralelos, enquanto o exército central
deveria se fazer visto e ouvido a longas distâncias. Três generais – Neville,
Corbt e Green – e três frentes de batalha independentes, era esse o plano de
guerra.
Chegado e alinhado o exército central aldéu em
desafio ao exército de Mnohir, a batalha tem início durante a manhã, em
planície elevada, onde os exércitos sobressalentes somente se revelam ao
primeiro balançar de bandeiras do grupo de frente do General Green.
Pelos flancos direito e esquerdo, rodeando o
inimigo completamente, os homens de Corbt e Neville esmagam o que sobrou dos
mnohiranos invasores. Nunca houve rendição tão rápida na história de Elion.
A notícia se espalha. Poucos se atreveriam a tentar
algo contra Elderwood naquele ano.
É daí que Andy encontra sua veia estrategista.
Logo, sem a necessidade, apenas a vontade, o príncipe faria uma porção de
planos de ataque e armas de batalha com a mesma obstinação de um general em
plena guerra. Como quem brinca de soldadinhos de chumbo, Andy faz, pouco a
pouco, uma reforma significativa no Exército aldéu, aumentando a disciplina, o
salário, as recompensas dos soldados, além de reestruturar as regras de
aposentadoria da categoria, principalmente referentes a invalidez.
Por essas decisões, Andy é repreendido pelo rei:
– Muito bem, Andy, agora me diga: de onde tiraremos
dinheiro para isso?
– O exército vai se pagar. O senhor vai ver. –
responde, com um olhar confiante – Não hoje, nem amanhã, mas vai.
4 comentários:
Maravilha. A saga vai ganhando forma!
Ohn, tadinho do Andy! Fiquei com pena. :(
Espero que ele cresça logo!
A saudosa e cheia de novidades carta de Andy para sua mãe ,com certeza levará alegrias para todos. Já posso ver Evelyin com seus dois livros de assuntos favoritos.
GRATA MÁ POR ESTA POSTAGEM ANTECIPADA.REALMENTE A CARTA DE ANDY
TRARÁ ALEGRIA PARA SUA MÃE.SEUS IRMÃOS TERÃO MUITAS NOVIDADES.COM CERTEZA EVELYN TERÁ MUITO O QUE DESCOBRIR SOBRE AS FADAS.
AMANHÃ SEGUNDA-FEIRA ESTOU NO AGUARDO.
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