Introdução ao cenário
Eliano
Devastada pela força da Natureza, devorada pela desesperança no amanhã,
a Humanidade vivera séculos de desespero.
Trituradas pela fúria do céu, varridas pela violência do mar,
chacoalhadas pela perturbação da terra, as cidades cediam, uma a uma, esmagando
a população a quem deveriam proteger.
Poucos anos bastaram para que a Humanidade se acostumasse a observar com
impotência tudo de belo que já havia construído desaparecendo diante de si,
sendo reduzido a escombros, e a ver famílias serem retalhadas por aço e
concreto, por ventos e águas.
Os alimentos escassos naqueles tempos de caos acabaram por se tornar,
juntamente com a água potável, motivo de guerras, desentendimentos e ocupações
entre nações vizinhas. E assim, quantos se foram por fome, sede e violência.
Sempre se considerando mais merecedoras da vida, nações mais fortes
esmagavam as mais fracas a quem deveriam ajudar. Não havia lei que reinasse
acima da lei da sobrevivência. O Homem regrediu ao seu estado mais primário
durante anos incontáveis de desespero.
Os que eram vitimados pelas catástrofes eram considerados até
venturosos, pois a Terra passara de lar a prisão e cada dia nela vivido se
tornara uma tortura, uma luta contra a inanição e contra desesperados
saqueadores.
Os ricos matando os pobres, primeiro das nações vizinhas, depois de suas
próprias, foram enfrentando a consequência de seus atos. Não bastava eliminar
os concorrentes ao pão: era necessário forjar agora o próprio pão. Nem eles,
imunes a tudo, conseguiriam evitar sua própria decadência. O supérfluo nunca
foi tão supérfluo, a palavra “necessidade” nunca teve antes seu significado tão
nítido. Nada mais seria como antes, não, nem para os privilegiados.
Tantas mortes foram resultando, pouco a pouco, numa vida um pouco menos
bruta para os poucos que ficaram. Apenas os corações se tornaram cada vez mais
machucados. A antiga ambição que movia a Humanidade foi perdendo totalmente o
seu sentido diante desse cenário de luto universal.
As fábricas pararam, pois pouco havia o que vender; os carros pararam,
pois poucas estradas havia para que circulassem; as guerras também, pois quem
lutaria? Aos poucos, tudo parou.
Deu lugar a uma sociedade silenciosa, de alma ferida, onde pequenos
agricultores só produziam para alimentar suas pequenas famílias, na paz que
lhes era possível durante o tempo que pudessem viver em uma determinada região.
Normalmente acabavam por se mudar em um tempo relativamente curto, quando novas
catástrofes naturais se aproximavam. Quando a sobrevivência se tornou um fator
de sorte, o dinheiro, apesar de ainda existir, tornou-se completamente
secundário e muito difícil era lhe estipular valor. O ontem era lamentável, o
amanhã, sempre incerto: o Homem aprendeu, como nunca, a viver seu hoje.
Por revolta pelos tantos que se foram e medo dos que ficaram, as armas
de fogo foram sumariamente proibidas, assim como tudo que pudesse
voluntariamente ameaçar a vida, já tão frágil. Esta se tornou o principal,
senão único, patrimônio a que todos deveriam ter direito desde então.
A capacidade de adaptação do Homem foi admirável e logo as novas
gerações não saberiam, senão por histórias, o lugar barulhento, poluído,
superpopuloso, repleto de luzes artificiais que a Terra foi, e que não mais
anoitecia nas antigas cidades. As funções biológicas humanas foram voltando ao
normal: doenças graves que acompanhavam o fim dos tempos desapareceram.
Tornaram a ser animais racionais, filhos de Deus e da Terra, mais serenos do
que nunca, e aglomerados em aldeias, pois, apesar de tudo, ainda tinham medo da
noite.
A riqueza herdada do passado foi apenas o intelecto. Os novos homens
naturais guardaram ideias da ciência, reminiscências dos maquinários, da
biologia, da anatomia, da história, além dos erros e acertos da antiga
humanidade. Traziam dentro de si a saudade e as cicatrizes de seu “poder”,
daquilo que fazia a Humanidade se acreditar soberana sobre o planeta Terra, um
de seus maiores erros, aliás.
As aldeias passam a crescer, devagar, durante outros milênios que se
seguem. A Natureza dá sinais de que conseguira se livrar de sua doença, causada
por nós, e seu organismo começa a voltar ao normal.
Algumas terras voltam a aparecer por debaixo das águas e novas terras se
revelam. Os mapas são inteiramente redesenhados e parecem chegar, enfim, à sua
forma definitiva.
A Humanidade está mais segura quanto às intempéries, aumenta seu número,
relaxa em seu temor, jamais em seu respeito.
A reaproximação com a Natureza traz consigo um conhecimento há milênios
esquecido: a Magia. Religando-se à Terra,
o Homem volta a falar sua língua, não a encarando como obstáculo e sim como
extensão natural de sua vida.
Os Elementais, reconquistando seu espaço no planeta, começam a se
mostrar mais presentes na vida dos humanos, concedendo-lhes conhecimentos sobre
o domínio de algumas forças sobre a Terra, sobre o poder da Lua e sobre o
clima. Seres que viveram os últimos milênios escondidos voltam a se revelar e
conviver de forma relativamente pacífica com a Humanidade.
Homens e mulheres adentram as matas e compactuam com a Natureza.
Responsabilizam-se pela função de tornar nossa integração a ela ainda mais
perfeita. Assumem-se como porta-vozes da Terra, tendo assim, para sempre, essa
simbiose. A Natureza dá ao Homem o que precisa, mas este nunca quebrará o Pacto entre
eles: União e Respeito.
Tendo esse acordo firmado por pessoas em todos os cantos, assinado como
compromisso real, uma nova prosperidade da Terra tem início e logo as aldeias
tornam-se reinos.
Os líderes são, em geral, magos coroados pela população com aval da
Natureza, que são fielmente comprometidos em cumprir o Pacto e não permitir que
ninguém o desrespeite. Depois desses primeiros escolhidos, o próximo governante
viria de sua família, mais precisamente um neto seu: o sétimo filho de seu sétimo
filho. E assim, novas dinastias se espalham pelo mundo, prometendo manter esse
equilíbrio eternamente.
Elion
Em meio às transformações ocorridas na superfície da Terra durante os
milênios anteriormente descritos, águas tomaram conta de grande parte dos
Continentes por nós conhecidos. Terremotos redesenharam o mapa das terras
emersas, guerras deformaram a Crosta. A população se locomoveu em pânico,
faminta pela sobrevivência. Durante o incontável tempo assim decorrido, um novo
Continente acabou por surgir, devagar, no centro do Mundo Antigo, mais
exatamente em meio ao Oceano Atlântico. Vibrante, foi dotado de grandes matas e
extensos descampados entremeados por frescos bosques e doces fontes de água
límpida.
Seu nome é Elion e logo a Humanidade teria vida próspera em seu seio
majestoso. Tendo o formato semelhante a um coração humano, tornou-se o mais
coeso espaço de terra emersa do planeta, favorecendo a formação de diversos
reinos, espalhados sobre todo o território.
É sobre o cenário eliano que se passa nossa história.
A Profecia
No frescor da nova Terra, apogeu da paz e do equilíbrio entre os povos,
feiticeiros de todos os reinos espalhados sobre Elion recebem um chamado, uma
profecia, em meio às suas profundas meditações. Eram estas suas palavras:
No coração do
novo coração do mundo
Nascerá de
uma longeva dinastia
Aquele que
com denodo profundo
Provar-nos-á
o que é Magia
É o sétimo
depois do sétimo,
É o que
anuncia a renovação!
É o Senhor de
toda intempérie
É o Escolhido
pelo Furacão!
Dominará os
Céus com seus olhos,
Com a boca
dominará as Almas,
As Leis,
dominará com as mãos!
Mas seu
inflado coração dominará
Todos os seus
sentidos
E por
completo a sua razão…
De pés no
chão e olhar altivo,
Jamais
fugindo do dever,
De terras
distantes será nativo,
Mas outra
terra fará crescer
Que antes
dele não era muito
E depois
quase tudo ela há de ser.
Jamais se
viu, jamais se verá
E nada
parecido vai se conhecer:
O seu poder
pode dominar,
Céu e Terra a
seu bel-prazer.
Como a água
de um temporal
Muita bonança
ele vai trazer
Mas devastará
e espalhará o mal
Se acaso a
medida ele for perder.
Ele traz
consigo os bons ventos do progresso:
Uma brisa de
paz sobre toda nação,
Mas pode
arrastar tudo feito um vendaval funesto
Pois é quem
fora o Escolhido pelo Furacão.
Enquanto a profecia se espalhava, muitos aguardavam com ansiedade e
peito inflado de respeito e temor. Alguns torciam para que chegasse logo o
Escolhido, outros para que não estivessem vivos para ver.
De fato, esses profetas se foram: poucos vivos sabiam quem estava por
vir. Todo aquele ruído foi se silenciando, ninguém mais dava atenção àquelas
exageradas escrituras. Apenas um mago, um único mago, guardou aquelas
palavras.
Mergulhado em sua alquimia, enganou a morte por quase mil anos e não há
prazo para que sua vida acabe. Dizem que fez pactos perniciosos e sua
descomunal longevidade custou a vida de muitos outros feiticeiros e mortais. Sua
fama atravessou todas as fronteiras e seu orgulho cresceu no mesmo sentido.
Esse bruxo insaciável não poderia dividir o planeta com alguém mais
poderoso, não queria ser superado, nem por um instante. Sua curiosidade para
conhecer o Escolhido pelo Furacão e sua inatingível força sobre os Céus, as
Almas e as Leis deixava-o aflito e era tão grande sua vontade de vê-lo agir,
quanto a de impedi-lo.
Elaborou, sem pressa, uma armadilha para que nada o escapasse ao
controle.
Via as gerações passando,
devagar, sem alarde, mas com excitação. Quem poderia impedi-lo, afinal, quem
vivo lembrar-se-ia daquela profecia ancestral?